A mais nervosa de todas as semanas deixou constatações. Algumas: não há lugar longe o suficiente de uma crise global; o FMI ficou espantosamente irrelevante; no limite, o Estado paga todas as contas; o mercado financeiro precisa de nova regulação, e fiscalização ágil e atualizada; o pacote reduziu espaço para gastos no próximo governo. Os pessimistas é que tinham razão sobre esta crise.
O próximo governo americano dificilmente poderá aumentar seus gastos. Nem poderá cortar impostos, como os candidatos democrata e republicano estão propondo.
A dívida, hoje de 40% do PIB, vai crescer muito com o pacote, e o déficit orçamentário precisará ser combatido.
Um fato espantoso dessa crise é a total ausência dos organismos multilaterais, como o FMI e o BIS. O antigo xerife dos mercados financeiros e o assim chamado banco central dos bancos centrais ficaram inteiramente inertes diante da crise.
Alguém ouviu falar do FMI nesta crise? Nem ouvido, nem cheirado, o fundo caiu na opacidade da irrelevância.
Só no quinto dia de confusão nos mercados, um dos seus dirigentes fez uma palestra falando platitudes sobre a crise. O Fundo, chamado Monetário Internacional, nada tem a dizer quando surge a pior crise financeira e dos mercados de capitais e monetários desde 1929.
Ficou claro que, quando a crise é originada nos Estados Unidos, ele não sabe como utilizar seus mecanismos de supervisão. Não houve alertas, análises, nada.
O silêncio do FMI é gritante.
Como instituição monetária internacional, ele entrou em colapso e não há quem o resgate.
Quem alertou que a crise era grave, que se espalharia, que levaria anos e que o rombo atingiria a casa de trilhão de dólares, como Nouriel Roubini, da Universidade de Nova York, foi inicialmente tratado com desprezo. O mantra era falar da “resiliência” da economia americana e chamála de “robusta”. Antes, a moda era falar nos “fundamentos” da economia. Uma das lições é que os economistas, analistas de risco e reguladores, quando estão envolvidos no mercado, abrem mão da capacidade de pensar, fecham os olhos para o óbvio.
Normalmente, quem não conhece o mercado financeiro condena as operações, como se tudo fosse um grande cassino. Já quem está dentro tende a apresentar tudo como se fosse virtuoso, como se o mercado tivesse dentro de si a capacidade de autocorreção dos excessos. O que se viu é que quando há falha de regulação e leniência dos reguladores, as distorções vão se tornando insustentáveis.
E não, o mercado não tem capacidade de autocorreção.
O Estado tem que regular e fiscalizar para evitar que aconteça o que acaba de acontecer diante dos nossos olhos.
Não há lugar longe o suficiente de uma crise global, não há economia robusta o suficiente para passar pela crise intacta. Se na crise de 1929, com o mundo muito mais tosco, o Brasil foi afetado no preço do café, o que dirá agora que os laços entre as economias aumentaram tanto. Existem formas de se fortalecer. É bom ter reservas, mas elas não são suficientes. Não basta ter bilhões em reservas, como está mostrando a Rússia, com seus picos de pânico e euforia, com suas saídas fortes de capital. A Rússia tem três vezes mais reservas que o Brasil.
O Brasil perseguiu por anos um modelo de estabilização que tem dado certo.
Mas os avanços não são suficientes. O dólar disparou, o risco disparou, fecharamse as linhas de crédito à exportação e a bolsa despencou. Os países viram meros joguetes que respondem aos movimentos de portfólio dos grandes investidores.
Sem que o Brasil tenha saído do lugar, ou alterado qualquer dos seus indicadores, o risco-país chegou a subir 36,5% nos três primeiros dias da semana, e depois caiu 23,4%.
Houve um momento que chegou a ser negociado em 379 e na sexta-feira fechou em 278. Faz sentido? O Brasil tem cometido erros que podem custar caro numa conjuntura tão fluida. O aumento de superávit primário foi feito apenas com parte do aumento da arrecadação. Não é suficiente nem para compensar a alta do custo da dívida pública com a elevação dos juros. O governo tem criado gastos permanentes numa proporção alarmante e acha que todos os problemas podem ser resolvidos por uma entidade estatal. Na semana passada, quando ficou claro que o mercado de crédito estava encurtando, o governo falou em aumentar o financiamento via BNDES, através, inclusive, de flexibilização de normas prudenciais.
Isso é arriscado.
O FAT, funding do BNDES, passará a ter déficit em 2010 e o banco está sendo capitalizado com dívida pública.
Os desatinos do mercado americano vão ser contabilizados no pacote que sairá esta semana. O que será detalhado, discutido, negociado e aprovado é como o contribuinte vai pagar pelos erros cometidos no mercado financeiro. Para resumir: os bancos financiaram hipotecas a quem não podia pagar; transformaram essas hipotecas em novos produtos financeiros e passaram adiante, para fundos dos próprios bancos ou de alheios; os novos papéis tiveram boa recomendação de risco, dada pelas agências; parte das transações era feita por novas instituições que não estavam sob fiscalização. Para tudo dar certo, era preciso que a alta dos imóveis durasse para sempre, porque a valorização é que permitia que mesmo o mau pagador pagasse, já que seu ativo, sempre se valorizando, era usado como garantia para novos empréstimos.
O Estado prepara, agora, a tábua de salvação de todos.
Todo erro será premiado.
Um convite a novos erros no mercado futuro.
www.oglobo.com.br/miriamleitao
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COM LEONARDO ZANELLI
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