Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 19, 2008

Miriam Leitão Mico federal

Enviado por Míriam Leitão e Leonardo Zanelli -
19.9.2008
| 15h00m
Panorama Econômico

Mico federal

Crise sistêmica é aquilo que os bancos centrais fazem qualquer loucura para evitar. O ex-presidente do BC, Armínio Fraga, disse que “com certeza pode-se chamar o que está acontecendo de crise sistêmica”. O alívio ontem veio pela informação de que o governo americano pode absorver todo o mico imobiliário. Isso mostrou que o Tesouro e o Fed farão qualquer coisa para evitar a crise sistêmica.

Derivativos piores da expressão — como systemic disaster, por exemplo — passaram a ser usados pela imprensa, americana e inglesa, para definir o quarto dia em que tudo o que parecia impossível continuava acontecendo. No fim, veio o alívio: a informação de que as autoridades americanas estão estudando intervenção mais forte e mais permanente para evitar o desastre. Entre as possibilidades, a criação de uma agência para absorver todo o lixo hipotecário que o mercado não consegue digerir. O mesmo expediente de estatização do prejuízo produzido pelo mercado financeiro foi usado na crise das instituições de poupança e empréstimo, no fim dos anos 80.

Armínio Fraga, na entrevista que me concedeu na Globonews, disse que acha que é uma boa idéia, desde que se punam os maus administradores e, se houver fraude, que se puna criminalmente quem a cometeu. Ele disse que uma ação mais forte é inevitável para interromper o ciclo vicioso que está se formando, de liquidação de posições, que leva a crise cada vez mais fundo, a um ponto que não precisa ser explorado, porque se sabe o final.

— Se deixarem a coisa correr solta, mais bancos vão quebrar. Não acredito que vão deixar a coisa correr. Eu já passei por um banco central. Você olha para o abismo, vê lá embaixo as pedras e decide não correr o risco de deixar cair.

O abismo e as pedras foram criadas pelo próprio mercado. Ontem, pela primeira vez, as autoridades se deram conta de que um dos absurdos continuava acontecendo: a venda a descoberto das ações dos bancos. Assim, quem quer especular vende a descoberto. Não tem a ação, mas vende apostando na queda. Isso é um ambiente perfeito para os boatos.

— Quem vende, quer que a ação caia e, por isso, dissemina o boato. Agora isso começará a ser contido — explicou Álvaro Bandeira, da Ágora.

Ontem, o maior fundo de pensão americano, o Calpers, avisou que não vai mais “alugar” ação para esse tipo de operação. Em Londres, as autoridades decidiram suspender esse tipo de operação até 2009.

É um espanto que os reguladores americanos não tenham proibido esse foco de especulação há mais tempo. O mercado fez ao longo do boom que antecedeu esta crise várias outras maluquices que acabaram produzindo a crise, que vai acabar batendo no bolso do contribuinte.

Armínio acha que o argumento de que não é justo que o contribuinte pague a conta deve ser visto também por outro ângulo.

— As conseqüências de não salvar uma instituição como a AIG podem ser gravíssimas do ponto de vista social e econômico. A solução da AIG faz sentido. É uma solução que pune de forma radical os acionistas, pune os investidores, mas protege o sistema. A economia precisa de dinheiro circulando como o sangue no corpo da gente.

Para Armínio, esta foi a pior semana desta crise que já tem um ano e que se prolongará nos próximos trimestres. Ninguém discordaria. Uma semana em que o Lehman Brothers quebrou, o Merrill Lynch foi vendido às pressas, a AIG foi estatizada, o Morgan Stanley entrou na linha de tiro e todo o sistema parecia às vésperas do colapso. O dia ontem começou com uma megainjeção de dinheiro no mercado por uma ação conjunta dos bancos centrais, que não teve poder para resolver o problema. Logo depois, a volatilidade retomaria seu ritmo.

— Esta semana foi a pior de todas. Quem tinha dinheiro, e queria procurar um porto seguro, tinha que comprar títulos do Tesouro americano e, com isso, a taxa dos títulos chegou a zero e a alguns momentos negativos. Isso significa que o investidor estava pagando um prêmio ao Tesouro para ele ficar com o dinheiro — disse Armínio.

O governo brasileiro acordou ontem para a crise. Apesar de não ter nada com isso diretamente, o Brasil chegou a ter alta de 71% do risco-país. Ele estava, no começo do ano, em 212, anteontem chegou a 370 e ontem caiu para 323. O dólar saiu do nível de R$ 1,60 para R$ 1,96. Caiu, e fechou, em R$ 1,93, mas no mês já subiu 18%. E só caiu depois que o Banco Central anunciou uma operação de venda de dólar à vista e recompra no mercado futuro. Bancos vendidos em dólar tiveram que zerar posição.

Para se ter uma idéia de como o Brasil está despreparado para a crise, por falta de capacidade das autoridades de entenderem minimamente o que se passa, basta lembrar que na terça-feira o presidente Lula disse que a crise americana iria afetar o Brasil de forma “imperceptível”. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, fez pior com sua desastrada declaração de que o consumidor deveria comprar e se endividar, isso em pleno olho do furacão da crise. Essa visão alienada da realidade chocou-se com os fatos. Ontem mesmo o Banco Central brasileiro estava vendendo dólar para conter a alta. Melhor faz o BC, que tem a noção da gravidade da crise e dos contágios aleatórios do mundo globalizado.

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