Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 02, 2008

Luz nos porões EDITORIAL O Globo





2/9/2008

A comprovação de que o presidente do Supremo Tribunal (STF), Gilmar Mendes, foi alvo de arapongas da comunidade paraoficial de informações precisa ser entendida pelo presidente Lula e o governo na sua verdadeira e grave dimensão. Na reunião realizada ontem no Palácio do Planalto entre o presidente da República e, representando o STF, o próprio Gilmar Mendes, acompanhado dos ministros Cezar Peluso, vice da Corte, e Carlos Ayres Britto, também em nome do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula ouviu dos magistrados que a investigação determinada a partir da revelação da revista "Veja" não poderá ser concluída sem resultados práticos. Entenda-se: sem a punição efetiva de pessoas. Afastar a direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) precisa ser apenas o começo.

Também participou da conversa o diretor da agência, Paulo Lacerda, ainda no cargo - um dos suspeitos de, junto com setores da Polícia Federal, já dirigida por ele, montar esse esquema clandestino de bisbilhotagem eletrônica -, e o diretor-geral da PF, Luiz Fernando Corrêa. A reivindicação dos ministros do STF é o mínimo que o governo tem de fazer para que a atuação desse esquema paraoficial de espionagem não fuja de vez de controle, atropelando o estado de direito - já arranhado pela atuação coordenada, ilegal, de agentes da Abin e da PF em pelo menos uma operação, a Satiagraha, sem contar uma série de agressões a direitos constitucionais do cidadão em outras ações.

Capturado pelos arapongas na conversa telefônica com o ministro Gilmar Mendes, o senador Demóstenes Torres (DEM-GO) fez a mesma cobrança, frisando não importar quem tenha de ser punido: se o ministro da Justiça, Tarso Genro, responsável pela PF; Paulo Lacerda, o general Jorge Félix, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, ao qual a Abin está subordinada, ou quem seja. Essa perigosa autonomia de agentes públicos da área de segurança e informações não vem de hoje. Casos de espionagem eletrônica clandestina são conhecidos desde o primeiro governo FH. Com o tempo, essa espécie de comunidade paralela de espionagem foi se fortalecendo, até pela incorporação das novas tecnologias de arapongagem, facilitada pelo avanço das telecomunicações. O fato, como noticiou a "Veja", de o ex-ministro José Dirceu se achar espionado e acusar o ministro Tarso Genro, seu adversário no PT, indicaria que esse braço semiclandestino estaria sendo manipulado até a serviço de conflitos político-ideológicos petistas. As pontas desse véu também devem ser levantadas.

A História está repleta de exemplos do que acontece quando aparatos repressivos ganham vida própria. Sempre a liberdade e as garantias individuais são massacradas. No Brasil, no regime militar, o governo Geisel esteve ameaçado de um golpe por ter enfrentado os porões dos quartéis, que haviam ganhado autonomia. Foi preciso iluminar aqueles porões para haver a redemocratização. A lição vale para o Brasil de hoje, onde prolifera em segmentos da PF/Abin e mesmo na Justiça e no Ministério Público uma perigosa cultura messiânica de limpeza ética da sociedade a qualquer custo, mesmo o do descumprimento da Constituição. Até pela experiência de vida, Lula deve saber que, quando esse tipo de visão se infiltra na máquina pública, a democracia começa a correr sérios riscos. Naqueles porões militares também havia gente alegadamente preocupada em salvar a nação.

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