"O problema é que a proibição do fumo parece
não bastar, para quem a defende. Cada vez mais,
procura-se também a condenação dos fumantes"
Se existe alguma coisa a respeito da qual o mundo inteiro está 100% de acordo é que o fumo faz mal à saúde; não apenas de quem fuma, mas também, embora não se saiba claramente com que grau de intensidade, de quem está por perto de um cigarro aceso. Não parece haver nenhuma necessidade, assim, de continuar querendo provar algo que todos consideram mais do que provado. Também não dá para ver como ainda seria possível, em pleno ano de 2008, encontrar algum pecado novo para acrescentar à lista de tudo aquilo que o fumo faz de mal, ou pode fazer, ou se imagina que faça. As medidas de repressão que se poderiam tomar contra o cigarro, enfim, já foram tomadas. É proibido fumar, hoje, em praticamente qualquer local fechado onde haja mais de uma pessoa. Os fumódromos, onde se imaginava que o cidadão poderia fumar sem incomodar ninguém, estão em via de extinção. Nos países que o Brasil considera como os mais iluminados da Terra, os preços foram aumentados até o limite máximo que os governos acham possível impor: o equivalente a mais de 12 reais o maço na França, mais de 15 reais na Inglaterra. Está banida no planeta inteiro, ou quase, toda e qualquer propaganda de cigarro. Não existe à venda uma única carteira que não traga com destaque as mais severas advertências contra os males do fumo – no Brasil, por sinal, elas vêm acompanhadas de imagens especialmente repulsivas, mostrando um homem sem perna, pulmões reduzidos a uma pasta de carvão e daí para pior.
Já não seria o suficiente? Não. O esforço no Brasil, agora, é para proibir o cigarro nos últimos espaços que ainda lhe estão abertos – as áreas reservadas a fumantes nos raros locais públicos, fora do ar livre, que escaparam até o momento das placas dizendo que "é proibido fumar". Salvo vetar o cigarro por lei, coisa que os governos não querem fazer para não perder bilhões em impostos, o que ficaria faltando? Essa parece ser, assim, a última fronteira a ser ganha pelos inimigos do fumo. O governador de São Paulo, José Serra, e o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, para ficar só em gente graúda, disputam atualmente uma corrida para ver quem proíbe mais e proíbe antes. Se um, o outro ou mais alguém conseguirem aprovar leis que acabem de vez com as áreas destinadas a fumantes, nada haverá a discutir: lei é lei. Tudo bem – outras coisas, nesta vida, já foram permitidas um dia e hoje não são mais, e nem por isso o sol deixou de nascer todas as manhãs. O problema é que a proibição do fumo parece não bastar, para quem a defende. Cada vez mais, procura-se também a condenação dos fumantes. Um clima de neurastenia agressiva é estimulado em torno da questão. Com freqüência dispensa-se, para criticar o tabaco, a necessidade de respeitar um mínimo de lógica, ou a mera verdade dos fatos.
A partir desse ponto de vista, quem fuma vai passando a ser olhado como portador de alguma deficiência moral, ou mau cidadão, ou nocivo à vida em sociedade, ou as três coisas ao mesmo tempo. Empresas encontram meios para não contratar fumantes. Convidados deixam de ser bem-vindos, caso fumem, em residências particulares. Médicos de alta fama estão sempre dispostos a dizer as coisas mais extraordinárias sobre as ruínas que o tabaco seria capaz de causar no organismo humano; já se ouviu, até mesmo, que a fumaça aspirada pelos não-fumantes é pior que a fumaça tragada pelos fumantes, pois estes dispõem de filtros em seus cigarros. Desde que condene o fumo, tudo que se apresenta como "estudo" ou "pesquisa" é automaticamente aceito como verdade científica. Os números oficiais, então, são capazes de qualquer coisa. Sugerem, por exemplo, que falta dinheiro para a saúde porque o SUS gasta muito com doenças causadas pelo fumo; cerca de 340 milhões de reais por ano, segundo um trabalho recente da Fundação Oswaldo Cruz. (Seria interessante observar, a respeito, que só a Souza Cruz, a maior fabricante de cigarros do país, pagou acima de 3 bilhões de dólares em impostos sobre suas vendas em 2007.) O Ministério da Saúde manda escrever nos maços de cigarro que existem ali "mais de 4 700 substâncias tóxicas". Mais de 4 700? Como um ser humano poderia continuar vivo engolindo tanto veneno assim? E por aí se vai.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse há pouco que todo mundo deve ter o direito de fumar desde que não incomode os outros; garantiu, aliás, que só fuma em sua própria sala. Parece algo de muito bom senso, mas o homem só levou pancada. Hoje em dia, quando o tema é tabaco, ter bom senso já não serve mais para dar razão a ninguém.