É inequívoco que a demanda agregada está crescendo acima da oferta agregada, e que esse desequilíbrio é um dos principais fatores a impulsionar a inflação, que está quase atingindo a banda superior da meta. Outro sintoma é o ritmo de crescimento de 50% das importações em relação a 2007. Essa rápida deterioração dos indicadores das contas externas pode ser evidenciada pelas contas correntes, cujo resultado em 2005/2006 era positivo entre US$ 13 bilhões e US$ 14 bilhões ao ano, em 2007 caiu para US$ 1,7 bilhão e, até julho de 2008, já acumulava um déficit de US$ 19 bilhões. E tudo indica que teremos, em 2009, déficit de 2% do PIB.
Se, de um lado, o BC sobe juros com o objetivo de equilibrar oferta e demanda agregadas, e a política monetária é seu único instrumento, de outro, o Ministério da Fazenda não aumenta significativamente seus gastos correntes, como também tem prometido irrigar o mercado ofertando crédito por meio dos bancos públicos, provavelmente a taxas subsidiadas. Além disso, o ministro tem aconselhado a população a não temer a crise externa e ir às compras, endividando-se mais. Pergunto: isso tem a ver com a economia ou com o desejo político em ano de eleição?
A economia mundial vive dias difíceis, o governo americano acaba de decretar uma espécie de Proer, recomprando títulos do mercado, tentando evitar um colapso de liquidez ou uma crise sistêmica. Juntam-se a ele mais seis bancos centrais dos países mais ricos, operando no mesmo sentido. Já o nosso BC, com muita competência, decidiu atuar com um go-around, oferecendo linhas de créditos de US$ 500 milhões no mercado interbancário.
A medida do nosso BC é, sem dúvida, uma tábua de salvação, principalmente aos exportadores. Eles dependem de linhas externas de curto prazo, denominadas ACC, que secaram nos últimos dias. Essa parada súbita de liquidez externa promoveu a disparada da taxa de câmbio. E câmbio para cima resulta em alta da inflação e o mercado reage de forma automática, pressionando as taxas de juros.
O instrumento adotado pelo BC para intervir no mercado cambial traz consigo um ganho adicional por ser uma operação casada, com venda de dólares à vista e recompra em 30 dias. Com isso, o BC evita perdas de reservas, preservando os fundamentos da economia brasileira.
Pelo que estamos assistindo, dado o atual nível de turbulência no mercado internacional, o País é afetado. Então não adianta bater palmas e dizer que estamos blindados. É inequívoco que em crises dessa natureza, e o Brasil tem experiência em crises, as reservas podem simplesmente evaporar por uma má gestão. Queremos crer que o presidente Lula, mais uma vez, usará seu bom senso e dará ao BC a autonomia necessária para a autoridade monetária agir. Se bem que o presidente sabe que seu principal cabo eleitoral e sua popularidade dependem dos baixos índices de inflação, que preservam a renda de grande parcela de eleitorado.
E, no cenário inflacionário, o cambio herói, que, pela apreciação em 2007 e 2008, manteve baixos os níveis de inflação, suplantando inclusive aumentos do gasto público, não trará os mesmos efeitos em 2008 e 2009.
Finalmente, para que tenhamos um bom fim de semana, um recado otimista: o mundo globalizado mudou para melhor e o Brasil também. Fora as reformas institucionais que proporcionaram bases sólidas para um desenvolvimento sustentável, do ponto de vista externo, temos hoje reservas de US$ 206 bilhões, mais US$ 23 bilhões de swaps cambiais, ante uma dívida externa de médio e longo prazos da ordem de US$ 155 bilhões, dos quais US$ 70 bilhões são do setor público. Como comparação, na crise do México, em 1995, as reservas brasileiras eram de US$ 51 bilhões, mas a dívida era de US$ 128 bilhões, dos quais US$ 90 bilhões pertenciam ao governo.
Vale destacar também que internamente a qualidade de vida do cidadão brasileiro teve ganhos substanciais nos últimos anos. Ter êxito na vida é difícil. Mantê-lo demanda esforço redobrado. Aqui, estamos falando de uma ação coordenada do governo, com uma condução de política econômica coerente em épocas de crise como a atual.
*Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada