Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 19, 2008

Dora Kramer - Desconversa desafinada




O Estado de S. Paulo
19/9/2008

Vista assim do alto, a Babel reinante no ambiente federal parece sintoma de uma grave crise. De repercussão institucional, até. Observada mais de perto, porém, a cena de autoridades falando idiomas diferentes entre si nos revela um quadro mais prosaico: desorganização e ausência de liderança na coordenação e formação de consensos no governo.

Na ausência do árbitro, cada um joga como pode, como quer ou como sabe. A pelada do momento impressiona porque envolve o Ministério da Defesa, a agência de inteligência da Presidência e a Polícia Federal. Mas, no fundo, é a mesma de sempre.

Pertence àquela zona obscura onde coisa alguma tem conseqüência, localizada entre duas áreas de competências e metas bem definidas: a condução da economia segundo o manual da “herança maldita” e a central de produções de eventos eleitorais tocada pessoalmente pelo presidente da República em regime de dedicação quase exclusiva.

Entre um discurso e outro, justiça seja feita, o presidente Luiz Inácio da Silva faz algumas paradas, reúne o staff, toma a decisão ao molde pedido pela ocasião e parte para o próximo palanque. Tudo muito bom, não fosse a vida real uma fonte de desconfortos.

Como este agora em que o aparato de segurança do Estado apresenta-se ao País em situação de completa insegurança. Apenas pela oportunidade de enxergar isso com clareza é que não se pode considerar totalmente perdidos os 20 dias transcorridos desde a comprovação pública da interceptação ilegal de um telefonema entre o presidente do Supremo Tribunal Federal e o senador da República.

Não fora por essa preciosa demonstração de transparência, seria correta a constatação de volta à estaca zero.

Foram quase três semanas de muito movimento e falatório, ao fim das quais a razão apresentada pelo ministro da Defesa para justificar a “providência imediata” de afastar a diretoria da Abin é desmentida pela perícia da Polícia Federal.

Para todos os efeitos, Lula tomou aquela atitude porque o ministro Nelson Jobim o convenceu de que a agência comprara equipamentos de escuta, extrapolando suas atribuições legais.

Pois bem: depois de assistir calado ao Exército, à PF e aos diretores afastados da Abin negarem fé à afirmação do ministro da Defesa, o presidente vê desmontado o fundamento da própria decisão: os equipamentos não podem fazer escutas telefônicas.

A menos que se admita a possibilidade de o laudo do Instituto Nacional de Criminalística da PF ser uma fraude ou de Jobim conhecer outro tipo de aparelhagem que não a examinada, só há uma conclusão possível: ou o presidente foi induzido ao erro ou induziu ele próprio a Nação ao equívoco.

A primeira hipótese deixa Lula na posição de marionete. Ainda que o presidente jamais tivesse ouvido falar no avanço desenfreado dos grampos em Brasília, da publicação da denúncia na Veja até o anúncio da decisão, teve praticamente três dias para se informar e refletir.

Como não é crível que um presidente há quase seis anos no poder, com dotes de transformação e conhecimento profundo da realidade brasileira nunca antes vistos neste País, se deixasse levar dessa maneira, sem nem conferir o “dado concreto”, a lei da gravidade nos leva à segunda hipótese.

Não que o presidente tenha posto sua decisão deliberadamente a serviço de um falso (segundo a PF republicana) testemunho por esporte. Foi por hábito mesmo. Ou melhor, no caso, por alteração repentina na maneira usual de gerência de crises.

Publicada a denúncia, dessa vez não dava para negar, levar em banho-maria e ir adiando as coisas até a escolha de um bode expiatório de menor porte para protagonista do habitual epílogo sem desfecho.

No sábado à tarde, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, avisou que chamaria o presidente “às falas”. Na segunda-feira de manhã o presidente o recebeu, na mesma noite anunciou o afastamento da diretoria da Abin.

Segundo versão publicada já nos jornais do dia seguinte, baseado em “evidências contundentes” apresentadas por Nelson Jobim na véspera. De acordo com a Polícia Federal, não eram evidências nem tampouco contundentes.

Desde o começo parecera um arranjo feito às pressas para atender à demanda do Supremo por um gesto além dos costumeiros pedidos de investigação profunda.

Só que havia interesses e corporações diversos envolvidos. Não se tratava de petistas disciplinados dispostos a pagar as contas em silêncio.

Mexeu-se com estruturas mais antigas. Nem o Exército, nem a PF nem a área de inteligência funcionam na lógica partidária, mas, assim como o partido, têm instinto de sobrevivência e partiram para as respectivas defesas.

Sem a intenção de criar problemas ao Palácio do Planalto. Não era uma ofensiva contra, mas a defensiva expôs o desencontro. No afã de cobrir um santo, deixaram-se dois a descoberto: a desorganização do governo e os grampos propriamente ditos, a respeito dos quais nunca mais se falou.

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