Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 20, 2008

Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito

SESSÃO ESPÍRITA

Bezerra de Menezes, filme sobre o pioneiro do 
kardecismo no Brasil, surpreende nas bilheterias. 
A produção é tosca, mas põe em foco um personagem
histórico curioso


Marcelo Marthe

Fotos Divulgação
FENÔMENO SOBRENATURAL
Bezerra de Menezes (à dir) e Vereza, que o interpreta no filme: a presença do "espírito de luz" foi sentida no set de filmagem

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Médico e político de projeção nos tempos do Império, o cearense Adolfo Bezerra de Menezes morreu em 1900, aos 68 anos. Mas consta que continua a dar notícias com freqüência. Pioneiro na divulgação da doutrina kardecista no país, ele virou, depois da morte, um dos "espíritos de luz" mais recorrentes em sessões mediúnicas. Meses atrás, o fantasma teria baixado no set de filmagem de sua recém-lançada cinebiografia, Bezerra de Menezes – O Diário de um Espírito. "Senti uma energia muito positiva", declarou o ator que faz seu papel, o veterano Carlos Vereza, a uma revista dirigida aos adeptos do espiritismo – acrescentando que alguém teria visto o vulto do personagem a seu lado numa cena. Com ajuda sobrenatural ou não, o fato é que a fita se tornou um fenômeno de público nos cinemas. Até a última quarta-feira, quando ainda não tinha completado três semanas em cartaz, Bezerra de Menezescontabilizava mais de 200 000 espectadores. Dirigido pelos desconhecidos Glauber Filho e Joe Pimentel, sob encomenda de uma entidade espírita cearense, o filme é uma produção histórica mambembe. Embora tenha só 75 minutos, parece durar a eternidade. Ainda assim, deixou para trás lançamentos nacionais como Os Desafinados, que traz famosos como Rodrigo Santoro no elenco e teve 120 000 espectadores desde a estréia, na mesma data. Nessa toada, opina o cineasta Paulo Sérgio Almeida, do site Filme B, que monitora as salas de exibição do país, não será surpresa se ultrapassar a marca dos 500 000 espectadores e ficar entre os três filmes brasileiros de maior bilheteria neste ano.

Bezerra de Menezes passou de um circuito de 49 salas de exibição para sessenta na semana passada. Ou seja: a procura aumentou graças à propaganda boca a boca. Ao contrário da maioria dos longas-metragens, tem atraído mais público aos cinemas às segundas e quartas, o que revela seu poder de atração sobre as classes C e D – nesses dias da semana, os ingressos custam mais barato. Que o espiritismo é um chamariz potente, ninguém questiona. Entre seguidores propriamente ditos e simpatizantes, está-se falando de um universo de 20 milhões de brasileiros. O sucesso da literatura espírita demonstra a força desse nicho – uma autora como Zibia Gasparetto tem presença assídua na lista de mais vendidos de VEJA. Agora, eis que o autoproclamado "cinema transcendental" encontra seu lugar ao sol.

Nem toda a comunidade espírita ficou satisfeita com o filme. "Para quem conhece em profundidade esse espírito iluminado que foi o doutor Bezerra de Menezes, a reconstituição de sua vida deixou a desejar", diz Marta Antunes Moura, diretora da Federação Espírita Brasileira. Compreende-se. Com orçamento de quase 3 milhões de reais (um quarto do qual obtido por meio de leis de incentivo), a produção tem imagens embaçadas, roteiro tosco e interpretações que são um assombro. Os atores são em sua maioria desconhecidos. Mas há gente da TV, a exemplo do comediante Lúcio Mauro e do galãzinho Caio Blat, que faz uma ponta constrangedora como um militar com bigodão postiço. A participação de Carlos Vereza não se resume ao papel de Menezes na velhice – ele também narra a história, num tom monótono. A crença no espiritismo fez com que o ator não titubeasse em aceitar o papel. A conversão de Vereza se deu há dezoito anos, depois que ele sofreu um acidente na gravação de uma série da Globo. "O barulho de um disparo me fez perder parte da audição. Como não conseguia trabalhar, caí em depressão", conta. E completa: "Só me curei depois de passar por operações espirituais".

Bezerra de Menezes é um personagem histórico interessante. Oriundo de uma família nordestina abastada, ele conquistou renome como médico no Rio de Janeiro de dom Pedro II. Abolicionista, foi um deputado influente em seu tempo. Arriscou a reputação, contudo, ao tornar pública a adesão ao espiritismo – cuja prática, àquela altura, era considerada crime. "Com seus artigos em defesa da causa na imprensa e sua opção pela caridade, ele lançou as bases para o crescimento da religião no país", diz o antropólogo Emerson Giumbelli. Os admiradores chamam Bezerra de "Kardec brasileiro" – referência ao francês que fundou a crença. Para os espíritas, ele foi a reencarnação de um espírito evoluído dos tempos bíblicos. Há quem jure que, numa sessão mediúnica nos anos 60, o fantasma do escritor russo Leon Tolstoi tenha revelado que em outra vida Bezerra foi Zaqueu, cobrador de impostos que se tornou seguidor de Jesus, conforme o Evangelho de São Lucas. Para outros, ele teria sido o próprio Lucas.

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