As convenções americanas terminaram exatamente num dia em que o “urso”, como eles definem o mercado pessimista, exibia suas garras e na véspera de o desemprego chegar a 6,1%. Os republicanos mostraram que vão usar o ataque direto ao adversário, explorar a velha bandeira da direita de guerra contra o inimigo externo e tirar proveito da única novidade que têm: Sarah Palin.
Desde que lançou sua candidatura, John McCain tentou construir uma imagem de republicano alternativo, mais ao centro, com posições divergentes do partido em questões-chave, como meio ambiente e imigração.
Esse republicano renovado foi se apagando e desapareceu na convenção. O que ele convocou ao palco, com convicção, foi o personagem que sabe fazer bem: o soldado que esteve no Vietnã, lutou contra os “inimigos” da pátria, sofreu por amor ao país. Sua conhecida falta de habilidade retórica só ficou atenuada na parte do discurso em que lembrou os sofrimentos na cadeia. Os discursos democratas eram saudados por refrãos sobre a chance de mudança; os dos republicanos eram interrompidos pelo coro “USA”. Eles tentam, de novo, vender a imagem de mais patrióticos que os outros, num mundo cheio de perigos e inimigos.
Isso os republicanos fazem com autenticidade, mas o resto do roteiro soou falso. Durante a convenção, eles fingiam não saber que o atual governo é republicano e que a crise econômica nasceu nele.
Referiam-se a problemas dos eleitores com o pagamento da hipoteca, perda do emprego e inflação como se fossem criaturas do adversário.
Mitt Romney perguntou à platéia se “Washington” era “liberal ou conservadora”.
Liberal é como eles chamam os democratas e conservadores são eles, os republicanos.
Ele mesmo puxava o coro de resposta, dizendo que Washington é “liberal”.
Repetiu essa pergunta para vários problemas atuais, sempre atribuindo-os aos adversários, os “liberais”.
O contorcionismo para negar a autoria da crise produziu uma distorção na história: falavam do sucesso econômico do governo Ronald Reagan, nos anos 80, como se aquela tivesse sido a última administração republicana.
Apagaram 12 anos e três governos Bush, um do pai, dois do filho. Nos debates e nas entrevistas será mais difícil manter essa ambigüidade de falar coisas como “a mudança está a caminho” com John McCain. Se ele era o renovador dos republicanos, precisou abandonar esse personagem para convencer o partido de que era um conservador verdadeiro.
O fanatismo religioso da candidata a vice é o ponto final no discurso alternativo.
A favor das armas, da exploração do petróleo no Alasca, da caça ao alce, com o marido na indústria petrolífera e sua interpretação religiosa da guerra no Iraque, Sarah Palin é perfeita para a direita republicana que Bush representa, mas inadequada para McCain reviver a miragem de um republicano verde e contemporâneo.
Na compulsão pela vida pessoal dos candidatos que os americanos têm, a vítima foi uma adolescente. A gravidez de Bristol Palin, a filha solteira de Sarah, fez os americanos mostrarem seu pior lado. A menina foi exposta por razões medievais. A gravidez virou questão de campanha pelo puritanismo de alguns setores do país que Sarah Palin representa. É bom constatar que, se um caso assim aparecesse no Brasil, ninguém pensaria em condenação moral à menina.
No máximo, o tema seria tratado como deve: pela preocupação social com o fenômeno da gravidez precoce.
Num país que invade tanto a vida pessoal dos candidatos, é curioso o silêncio que se faz sobre a primeira mulher de McCain, Carol. O registro sobre a existência dela foi cuidadosamente apagado de todas as biografias e filmetes sobre a história do candidato, numa estratégia Orwelliana para mudar o passado.
Fica esquisito. Não se fala do casamento, fala-se do nascimento de três filhos de Cindy, da adoção de uma quarta filha e aparecem no palco os sete filhos de McCain. Um desavisado perguntaria: de onde saíram os três mais velhos? Carol, uma mulher bonita quando se casaram, nadadora e modelo, é mãe dos três mais velhos. Ele foi para o Vietnã e lá ficou preso: ela cuidou das crianças e o esperou por longos anos. Quando McCain voltou, encontrou uma mulher desfigurada por um acidente de carro que atingiu fortemente sua capacidade de locomoção e a obrigou a passar por 23 cirurgias.
Na luta contra as limitações e por reaprender a andar, com a ajuda de metais pelo corpo, ela engordou, perdeu a beleza.
Ele passou a ter vários casos e, ainda casado, encontrou sua atual mulher. Mc-Cain se divorciou e se casou com a bela Cindy, de família rica e 18 anos mais jovem.
Carol não cabe no retrato do herói americano de fibra moral e ética e marido perfeito que se tentou construir.
O bom-mocismo dos democratas não trará Carol de volta à cena, mas os debates acentuarão a opção direitista dos republicanos. Sarah Palin, jovem, bonita e articulada, provocará polêmicas e isso, às vezes, ajuda. O mercado “urso” criará embaraços para McCain, lembrando a crise deixada por Bush.
Contra isso ele não tem muita bala. Já o urso-polar que se cuide. Sarah luta contra as tentativas de protegê-lo e de considerá-lo em extinção.
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COM LEONARDO ZANELLI
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