Para ex-presidente do BC, falta de socorro ao Lehman Brothers elevou a incerteza e a aversão ao risco
Fernando Dantas
Armínio Fraga, sócio e fundador da Gávea Investimentos e ex-presidente do Banco Central (BC), acha que a crise financeira americana, que teve ontem um dos seus momentos mais agudos, pode provocar uma reação em cadeia maior nas próximas semanas e meses. Para o Brasil, embora diga que a idéia de descolamento foi "um sonho", a sua visão é moderadamente otimista: se o governo prosseguir com a política macroeconômica dos últimos dez anos, é possível manter a economia sob controle. Por outro lado, a crise financeira e seus reflexos sobre a economia mundial, e sobre o mercado de capitais e o crédito no Brasil, reforçam o cenário de desaceleração em 2009.
Nas bolsas, depois de tantas quedas, Fraga já vê as ações como alternativa de investimento, mas recomenda "estômago e sangue frio" para quem quiser entrar - é possível que se perca mais dinheiro antes de obter algum ganho. A seguir, a entrevista:
Como o sr. vê a turbulência nos mercados nesta segunda-feira?
É mais uma etapa de um processo que vem de mais de um ano. Foi um momento de enorme tensão, que tomou o fim de semana inteiro e acabou desembocando na situação final de falência do Lehman Brothers e na aquisição do Merrill Lynch pelo Bank of America. A falência é um problema que, embora não tenha sido uma enorme surpresa, com certeza tem conseqüências ainda não totalmente avaliadas, ligadas à extensão da rede de operações da empresa. Há implicações secundárias e terciárias. Já a aquisição do Merrill Lynch foi um ponto positivo, que reduziu um pouco essa fonte adicional de incerteza. O que não ficou resolvido, e que respingou nesta segunda-feira, foi a questão da seguradora AIG. É uma empresa grande, importante, e uma participante ativa no mercado dos chamados swaps de default de crédito (CDS, na sigla em inglês). É uma empresa que chegou a valer mais de US$ 200 bilhões, e terminou o dia valendo no mercado uns US$ 13 bilhões. Uma perda de valor enorme, ao longo de vários meses, mas com uma aceleração desse processo nas últimas semanas.
Por que a queda da Bolsa no Brasil foi tão forte?
O Brasil se beneficiou bastante tempo pelo seu status de favorito do mercado. Agora, quando se entra nessa fase de desalavancagem e de resgates, o País paga um pouco esse preço. Além disso, a nossa bolsa em particular tem um peso muito grande das commodities, que estão em queda.
Qual a importância para a turbulência desta segunda-feira do fato de que as autoridades financeiras americanas não salvaram o Lehman Brothers, como vinham fazendo com outras instituições?
Com certeza, alguma chance existia na cabeça das pessoas de que o sistema estivesse todo garantido pelo governo. E isso foi o que embalou a situação nesta segunda-feira. Tem um lado que é salutar, mas, sem dúvida alguma, aumentou a aversão ao risco e a incerteza em geral. O que não é uma grande surpresa para o governo que tomou essa posição, mas indica que as coisas podem não ter se resolvido, que pode haver uma reação em cadeia maior nas próximas semanas e meses. Se olhar por exemplo o mercado de seguro de crédito para os principais bancos e bancos de investimento, os spreads aumentaram bastante e estão em níveis que não são sustentáveis. Não é possível ter uma instituição alavancada com um risco de crédito de 200, 300 ou 500 pontos básicos (centésimos de pontos porcentuais). É uma questão aritmética.
Quais as implicações de médio e longo prazo para o Brasil dessa crise nos mercados?
Isso está bastante sob o controle do governo. Basta manter uma linha de ação semelhante à que vem norteando a política macroeconômica já há quase uma década, e a tendência é a de que o Brasil navegue essa fase mais difícil de forma relativamente controlada. É claro que a idéia de descolamento nunca foi mais do que um sonho de alguns. Por outro lado, aquele hipercontágio do passado, no qual alguém espirrava lá em Nova York e a gente pegava pneumonia aqui, não deveria acontecer. Foi bom o recente sinal do governo de aumentar um pouco o superávit primário.
A crise não indica que as economias americana e mundial vão crescer menos, e que o Brasil terá uma desaceleração ainda maior do que a já esperada?
Eu justamente vejo essa cadeia em andamento. A Europa já teve um trimestre negativo, o Japão também. A perspectiva é de que isso também ocorra nos Estados Unidos e não se resolva rapidamente. A própria China está crescendo menos, talvez bastante menos, do que os 12%, 13% anuais que chegou a crescer em alguns momentos no período recente. Alguma desaceleração no nosso lado não deveria surpreender a ninguém. Aqui no Brasil, o canal de financiamento pelo mercado de capitais está temporariamente fechado, ou pelo menos muito prejudicado. Eu acredito que até do lado do crédito, mesmo que não aconteça uma contração, deve haver menor abundância. O nosso sistema financeiro não se meteu nessas trapalhadas lá de fora, mas a nossa própria dinâmica, com o aumento de juros, deve afetar a oferta de crédito. E com isso vai haver alguma desaceleração desse crescimento que nós tivemos aí, de 6% - para quanto exatamente, é difícil prever. Alguma desaceleração era de se esperar antes mesmo da exacerbação da crise, pela própria dinâmica da inflação. Quando se agrega a isso as questões financeiras, nem se fala.
E a bolsa, qual a tendência depois de tantas quedas?
Não me arrisco a fazer projeções de curto prazo, porque tem muitas variáveis aí nessa equação. Eu acho que as ações hoje, do ponto de vista do longo prazo, já representam uma alternativa boa de investimento. Mas quem entrar tem de ter estômago, sangue frio e capacidade de tolerar uma fase de muita turbulência durante a qual é possível, senão provável, que se perca mais dinheiro antes de eventualmente se obter um resultado positivo. É um desses mercados nos quais a dinâmica do dia-a-dia tende a dominar o que seria um fundamento de longo prazo. Mas é um mercado mais interessante deste ponto de vista porque muito mais perigoso nesse momento.
Quem é: Armínio Fraga
Armínio Fraga foi presidente do Banco Central de 1º de março de 1999 a 17 de janeiro de 2003.
No mesmo ano em que saiu do governo criou a administradora de fundos Gávea Investimentos, junto com Ilan Goldfajn e Luiz Fernando Figueiredo.
Nas bolsas, depois de tantas quedas, Fraga já vê as ações como alternativa de investimento, mas recomenda "estômago e sangue frio" para quem quiser entrar - é possível que se perca mais dinheiro antes de obter algum ganho. A seguir, a entrevista:
Como o sr. vê a turbulência nos mercados nesta segunda-feira?
É mais uma etapa de um processo que vem de mais de um ano. Foi um momento de enorme tensão, que tomou o fim de semana inteiro e acabou desembocando na situação final de falência do Lehman Brothers e na aquisição do Merrill Lynch pelo Bank of America. A falência é um problema que, embora não tenha sido uma enorme surpresa, com certeza tem conseqüências ainda não totalmente avaliadas, ligadas à extensão da rede de operações da empresa. Há implicações secundárias e terciárias. Já a aquisição do Merrill Lynch foi um ponto positivo, que reduziu um pouco essa fonte adicional de incerteza. O que não ficou resolvido, e que respingou nesta segunda-feira, foi a questão da seguradora AIG. É uma empresa grande, importante, e uma participante ativa no mercado dos chamados swaps de default de crédito (CDS, na sigla em inglês). É uma empresa que chegou a valer mais de US$ 200 bilhões, e terminou o dia valendo no mercado uns US$ 13 bilhões. Uma perda de valor enorme, ao longo de vários meses, mas com uma aceleração desse processo nas últimas semanas.
Por que a queda da Bolsa no Brasil foi tão forte?
O Brasil se beneficiou bastante tempo pelo seu status de favorito do mercado. Agora, quando se entra nessa fase de desalavancagem e de resgates, o País paga um pouco esse preço. Além disso, a nossa bolsa em particular tem um peso muito grande das commodities, que estão em queda.
Qual a importância para a turbulência desta segunda-feira do fato de que as autoridades financeiras americanas não salvaram o Lehman Brothers, como vinham fazendo com outras instituições?
Com certeza, alguma chance existia na cabeça das pessoas de que o sistema estivesse todo garantido pelo governo. E isso foi o que embalou a situação nesta segunda-feira. Tem um lado que é salutar, mas, sem dúvida alguma, aumentou a aversão ao risco e a incerteza em geral. O que não é uma grande surpresa para o governo que tomou essa posição, mas indica que as coisas podem não ter se resolvido, que pode haver uma reação em cadeia maior nas próximas semanas e meses. Se olhar por exemplo o mercado de seguro de crédito para os principais bancos e bancos de investimento, os spreads aumentaram bastante e estão em níveis que não são sustentáveis. Não é possível ter uma instituição alavancada com um risco de crédito de 200, 300 ou 500 pontos básicos (centésimos de pontos porcentuais). É uma questão aritmética.
Quais as implicações de médio e longo prazo para o Brasil dessa crise nos mercados?
Isso está bastante sob o controle do governo. Basta manter uma linha de ação semelhante à que vem norteando a política macroeconômica já há quase uma década, e a tendência é a de que o Brasil navegue essa fase mais difícil de forma relativamente controlada. É claro que a idéia de descolamento nunca foi mais do que um sonho de alguns. Por outro lado, aquele hipercontágio do passado, no qual alguém espirrava lá em Nova York e a gente pegava pneumonia aqui, não deveria acontecer. Foi bom o recente sinal do governo de aumentar um pouco o superávit primário.
A crise não indica que as economias americana e mundial vão crescer menos, e que o Brasil terá uma desaceleração ainda maior do que a já esperada?
Eu justamente vejo essa cadeia em andamento. A Europa já teve um trimestre negativo, o Japão também. A perspectiva é de que isso também ocorra nos Estados Unidos e não se resolva rapidamente. A própria China está crescendo menos, talvez bastante menos, do que os 12%, 13% anuais que chegou a crescer em alguns momentos no período recente. Alguma desaceleração no nosso lado não deveria surpreender a ninguém. Aqui no Brasil, o canal de financiamento pelo mercado de capitais está temporariamente fechado, ou pelo menos muito prejudicado. Eu acredito que até do lado do crédito, mesmo que não aconteça uma contração, deve haver menor abundância. O nosso sistema financeiro não se meteu nessas trapalhadas lá de fora, mas a nossa própria dinâmica, com o aumento de juros, deve afetar a oferta de crédito. E com isso vai haver alguma desaceleração desse crescimento que nós tivemos aí, de 6% - para quanto exatamente, é difícil prever. Alguma desaceleração era de se esperar antes mesmo da exacerbação da crise, pela própria dinâmica da inflação. Quando se agrega a isso as questões financeiras, nem se fala.
E a bolsa, qual a tendência depois de tantas quedas?
Não me arrisco a fazer projeções de curto prazo, porque tem muitas variáveis aí nessa equação. Eu acho que as ações hoje, do ponto de vista do longo prazo, já representam uma alternativa boa de investimento. Mas quem entrar tem de ter estômago, sangue frio e capacidade de tolerar uma fase de muita turbulência durante a qual é possível, senão provável, que se perca mais dinheiro antes de eventualmente se obter um resultado positivo. É um desses mercados nos quais a dinâmica do dia-a-dia tende a dominar o que seria um fundamento de longo prazo. Mas é um mercado mais interessante deste ponto de vista porque muito mais perigoso nesse momento.
Quem é: Armínio Fraga
Armínio Fraga foi presidente do Banco Central de 1º de março de 1999 a 17 de janeiro de 2003.
No mesmo ano em que saiu do governo criou a administradora de fundos Gávea Investimentos, junto com Ilan Goldfajn e Luiz Fernando Figueiredo.