O Estado de S.Paulo - 19/09/10
- Tamos com ela e pau na taramela! - surpreendi-o dizendo a um dos muitos que, como sempre, se reuniram para ouvi-lo.
- Pau na taramela! - repetiram diversos, alguns deles com visível entusiasmo.
- Que slogan é esse, Zeca, por que pau na taramela, o que quer dizer?
- Não quer dizer coisa nenhuma, é somente pela sonoridade e pelo tom combativo, já vi que você não entende nada de agitação e propaganda, não tem que querer dizer nada, tem é que apelar para os instintos da massa. Como esse eu já bolei vários, vou soltando conforme o freguês. Tamos com ela e pau na moela! Tamos com ela e pau na mortadela! Tamos com ela e pau na seriguela! Tamos com ela e ninguém mais vai ser banguela!
- Que é isso, Zeca, esse último não é apenas pela sonoridade. Até você vem com esse negócio de trocar voto por dentadura?
- Não fui eu que inventou isso, eu apenas identifico objetivamente as tendências eleitorais. Nessas minhas últimas viagens, eu sempre tirava um tempo para estudar o perfil do eleitorado e, diga você o que disser, o sonho da dentadura própria ainda é marcante em nosso eleitorado rural e da periferia urbana. Não se meta na minha campanha, eu sei o que estou fazendo. Por mim, o slogan bem que podia ser "tamos com ela e a mesma clientela" ou então "tamos com ela na Venezuela", mas não posso me prender a um individualismo pequeno-burguês, meu caso pessoal não tem importância, o importante é o processo histórico em andamento.
- E como é que vai indo o processo histórico?
- Vai indo, vai indo bem e acho que não há motivo para preocupação. Todo mundo está aderindo como sempre e me contaram que, em certos lugares, a procura por fichas de inscrição no PT é tanta que já pediram novas remessas de formulários e tem gente que, por via das dúvidas, se inscreveu em dois ou três municípios, o pessoal se garante. Acho que não precisamos temer a calamidade de dr. Serra se eleger.
- Calamidade? Também não é assim, Zeca, calamidade é muito forte, acho que nem na sua propaganda isso cola.
- Calamidade. Calamidade com todas as letras, cataclismo. Hecatombe. Primeira coisa: ele ia governar como?
- Bem, nunca pensei nisso muito detidamente.
- Inconsequência inadvertida do intelectual idealista ingênuo. Ele não ia governar nada, com o Senado controlado pelo PMDB e pelo PT e a Câmara de Deputados idem idem, ia ser um terror.
- Não sei, talvez ele pudesse costurar algumas alianças.
- Entregando a rapadura! Entregando a rapadura inteiramente, e ainda tendo que encarar a oposição petista condenando tudo, até a bolsa família, se duvidar.
- Acho que você não tem razão, também não é assim.
- É pior! Não tem uma área que não esteja dominada, das prefeituras aos sindicatos, deixe de ser besta, está tudo dominado. Ia ser um terror mesmo e, dentro de um ano, ninguém ia aguentar a gritaria e a esculhambação e o Homem voltaria nos braços do povo.
- E, com d. Dilma eleita, ele não vai voltar, não?
- Nunca! Isso ele acha. Todos acham. Mas você já parou para pensar no que vai acontecer logo depois da eleição dela? Vai sair até vento, na hora em que o pessoal da farinha-pouca-meu-pirão-primeiro der a largada, sai de baixo, vai ser um vale-tudo. Sinta as foices zunindo, sinta os rabos de arraia!
- Pode até ser, mas não vejo como isso altera alguma coisa.
- E você acha que o pessoal do presidente não vai querer continuar mandando, não? Claro que vai querer. E a briga vai começar pelos assessores e puxa-sacos, pelos mais chegados a cada um.
- Mas o presidente vai mesmo continuar mandando, acho que ele até tem deixado isso bem claro para todo mundo.
- Pois é, ele também pensa que sim. E até ela mesma pode pensar que sim, pelo menos um pouco. Mas nem ele nem ela sabem de uma coisa básica. Nem ele sabe o que é ser ex-presidente, nem ela sabe o que é ser presidente. Eles podem achar que sabem. Se perguntarem, vão dizer que sabem. Mas não sabem. Ele não sabe o que é amanhecer com todos os reflexos de presidente ativos, mas sem ser presidente. E não sabe o que é isso um dia depois do outro, não ser mais o cara, não estar todo dia no jornal e na TV, não ser ouvido nem cheirado a maior parte do tempo e viver sem plateia, logo ele. E ela não sabe o que é acordar presidente um dia depois do outro, não sabe o que é ver o mundo assim. No fim, eles não vão mais nem se cumprimentar.
- E aí você acha que o Serra vai poder ser presidente?
- Não, aí quem se candidata sou eu mesmo. É no sacrifício, mas estamos precisando de um governo de esquerda.