FOLHA DE SÃO PAULO - 14/09/10
Estado de bem-estar da família da ministra viola impessoalidade no exercício de cargo público, no mínimo
ENTÃO SABE-SE que a ministra-chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, também é adepta do Estado de bem-estar familiar, a estatização dos arranjos de benefícios para a parentela e seus agregados. O filho da ministra é lobista no governo federal, sua irmã em cargo público favoreceu um interesse de outro irmão na prestação de um serviço para empresa pública, irmão que advoga para a campanha eleitoral de Dilma Rousseff, antecessora e madrinha de Erenice Guerra na Casa Civil.
A ministra diz que as reportagens atacam sua honra. A ministra não foi específica na queixa, mas parentes de primeiro grau nadam na corrente do seu prestígio e do seu poder a fim de obter influência e, quiçá, vantagens comerciais. Nessa corrente se afoga a noção de impessoalidade, um requisito mínimo do comportamento do servidor público. É o mínimo do mínimo que se pode depreender das reportagens a respeito da ministra e dos seus.
Mesmo sendo o mínimo, trata-se de mais que o suficiente para desqualificar a ministra para o cargo. Na interpretação mais benevolente de seu caso, Erenice Guerra não consegue perceber que são indevidas as relações indevidas entre parentes e sua função pública.
A falta da ministra seria desqualificante em qualquer cargo público, mas circunscrever o problema a apenas isso seria formalismo. A falta de Erenice Guerra é ainda mais grave porque o ministro da Casa Civil é um premiê do gabinete ministerial de um presidencialismo já bastante largo em seus poderes. É responsável pela coordenação dos ministérios e pela verificação da legalidade das medidas do governo.
Pior ainda. Além de ser a premiê de um governo federal forte, de um presidencialismo com poucos freios, é a coordenadora de um governo que pode manejar um Estado grande demais, extenso nos seus poderes legislativo, econômico e político politiqueiro -trata-se aqui das pencas e do à vontade das nomeações para cargos importantes.
Não é, claro, por acaso, que a parentela da ministra foi flagrada justamente numa parceria público-privada, digamos assim, na ação do lobby do filho para uma empresa privada com negócios com uma empresa estatal, os Correios. Nisso, o caso da ministra sugere que o problema não é apenas familiar, digamos, particular, mas geral.
Talvez o principal motivo para reduzir o tamanho do Estado e de sua intervenção na economia não seja fiscal ou econômico. Talvez seja apenas político-policial. O país é primitivo demais para ter tanto Estado e, ao mesmo tempo, precisa do Estado em setores cruciais -educação, saúde, pesquisa tecnológica, crédito. Logo, é preciso reduzir o Estado aos escassos meios e à capacidade que temos de controlá-lo: de lidar com o setor público de modo que não seja criminoso-privatista.
Considere-se o caso recente da tigrada que roubava a prefeitura de Dourados (propina de R$ 170 mil para três quartos dos vereadores) e do governo do Amapá (governador e cúpula do Estado roubavam o dinheiro da escola das crianças, entre outros). A gente nota, entre desespero e desânimo, que é muito difícil para cidadãos prestantes o que se passa nas lonjuras, nas dezenas de estatais, nas milhares de repartições.
Mas não conseguimos controlar nem o que se passa no centro do poder, debaixo do nosso nariz.
Entrevista:O Estado inteligente
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