JORNAL DO BRASIL
O Brasil não tem mesmo jeito– é a frase que voltará a ser ouvida assim que se dissiparem as boas expectativas malbaratadas pela campanha eleitoral. Quando o presidente Lula fala que vai se aplicar à reforma política no mandato alheio (já na condição de ex-presidente), abre uma fresta para se perceber o que for possível.
Exceto o primeiro presidente da atual democracia, os demais foram eleitos por voto direto, não mais restrito aos alfabetizados. Tanto mudou a eleição quanto o eleitorado. A maioria absoluta deu lastro à sucessão presidencial. Mudou também a natureza social da eleição e a alta popularidade do presidente Lula, independentemente de qualquer coisa, exerce um efeito imprevisível. Deu-lhe peso suficiente para alterar o equilíbrio político e faz dele uma incógnita no vácuo de uma oposição desativada. Lula dá sinais de converter a popularidade em energia, que o inspira e o movimenta por conta própria. Pode ser que o desajuste entre o candidato Luiz Inácio Lula da Silva e a parcela menor da opinião pública, pela forma evasiva das circunstâncias, estejam a caminho de um confronto. É assim que está se desenhando o desencontro entre o ímpeto possessivo do presidente Lula e o eleitorado de uma oposição incapaz de preencher o vazio em que se confina a democracia.
A praticamente duas semanas da eleição presidencial, na qual se dependuram interesses estaduais que Lula atrelou como reboque de sua candidata, um sentimento indefinível paira sobre o espetáculo. Enquanto a Polícia Federal prende governantes acusados de malversação e outras formas inadmissíveis de lidar com dinheiro público, o presidente da República se torna o maior cabo eleitoral de que se tenha ouvido falar. Faz campanha para eleger a sucessora, deputados, senadores e governadores, demonstra que qualquer oposição é supérflua, e até mais do que isso. Não houve, sequer, um ex-governador que levantasse a voz para proclamar que, se não existe a Federação, então tudo passa a ser permitido. É por aí que a História é condenada ao eterno recomeço democrático, sem ponto de chegada.
Desde a volta do Brasil à legalidade em 1985, por eleição indireta para ganhar tempo, os políticos queriam ter um programa de reformas, sem compromisso, apenas como biombo. O Congresso Nacional conseguiu ser o pior na avaliação dos eleitores e se deu por satisfeito enquanto evolui, vertical e perigosamente, na desconfiança popular em que se encontra.
A expectativa em relação ao que está à vista, mas se finge não ver, gira em torno de um personagem que veio para ficar por tempo incompatível com a democracia retomada em 1988. Há algo em comum entre a decadência parlamentar, a desarticulação do Executivo, a falta de consciência federativa, o desapreço pela moralidade pública e outros menos citados. A cidadania se intimidou com a desagregação do sigilo fiscal que pensava ser sua proteção contra desmandos estatais.
Tudo que se encaixa nas expectativas alimentadas pela reeleição facilita ao presidente Lula acelerar o processo. Convém lembrar que nada é inteiramente por acaso na vida brasileira, desde que a esquadra de Cabral deu às nossas costas, e logo na Bahia. Já se desenha com a indispensável falta de nitidez o que vai destacar, mais do que o governo a ser eleito, o governante de saída, pela disposição de resolver a seu feitio o velho problema de ajustar a democracia com o que esteve por trás, por dentro e pela frente da eleição dirigida. O Brasil vai, finalmente, dar-se conta de que popularidade em demasia e democracia frouxa não chegam a acordo sem que uma das duas fique prejudicada.
Entrevista:O Estado inteligente
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