O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/03/10
Televisão e internet são, frequentemente, os bodes expiatórios para justificar a crise dos jornais. Os jovens estão "plugados" horas sem-fim. Já nascem de costas para a palavra impressa. Será? É evidente que a juventude de hoje lê muito menos. Mas não é só a moçada que foge dos jornais. Os representantes das classes A e B também têm aumentado a fileira dos navegantes do espaço virtual.
Os diários de sucesso são aqueles que sabem que o seu público, independentemente da faixa etária, é constituído por uma elite numerosa, mas cada vez mais órfã de jornais de qualidade. Num momento de ênfase no didatismo, na infografia e na prestação de serviços - estratégias convenientes e necessárias -, defendo a urgente necessidade de complicar as pautas. O leitor que devemos conquistar não quer, como é lógico, o que pode conseguir na TV ou na internet. Ele quer informação de qualidade: a matéria aprofundada, a reportagem interessante, a análise que o ajude, de fato, a tomar decisões.
O noticiário de política, por exemplo, tradicionalmente forte nos segmentos qualificados do leitorado, perdeu vigor. Está, frequentemente, dominado pela fofoca e pelo declaratório. Não tem notícia, mas sobra suposição sem fundamento e documentação. O marketing político avançou além da conta. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era do declaratório e da inconsistência.
Recentemente, o presidente Lula escorregou. E escorregou feio. Ao lado dos irmãos Castro, representantes emblemáticos da mais longeva das ditaduras, o ex-metalúrgico Lula não condenou a morte de um dissidente do regime. Mandou para o espaço sua biografia e seu passado. E ninguém soube contextualizar minimamente. Ninguém repercutiu o episódio com a candidata de Lula ou até mesmo com o ministro Franklin Martins, afinal, um ex-jornalista, presumivelmente defensor dos direitos humanos e da liberdade. Ninguém fez uma matéria sobre os porões da ditadura cubana. Ficamos, no entanto, reféns daqueles que querem fazer uma revisão seletiva da História brasileira. Punir os militares e preservar os guerrilheiros.
A Venezuela é outro capítulo. Cansamos de dar espaço aos destemperos de Hugo Chávez. Declaratório e mais declaratório. Mas onde está a radiografia informativa do descalabro do governo Chávez? Fazemos pouco, muito pouco. Questionado pelo jornal O Estado de S. Paulo, Lula afirmou textualmente: "Eu acho que a Venezuela é uma democracia." Não estaria aqui o gancho para uma bela pauta? Não seria a ocasião para mostrar, com informação objetiva, o oportunismo ideológico de um presidente que costura uma estratégia de liderança do Terceiro Mundo com olhos postos numa aposentadoria internacional carregada de protagonismo? O leitor, que não é tonto, pula fora. Não quer ser conduzido. Ele quer informação, não quer controle gramsciano da notícia.
Por outro lado, políticos e partidos vendem uma bela embalagem, mas fogem da discussão das ideias e das políticas públicas. O prefeito Gilberto Kassab, por exemplo, triplica os gastos com publicidade. Mas foge da imprensa nos momentos em que uma liderança verdadeira exigiria o pé na lama, e não declarações no conforto de seu gabinete. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e mostrar a realidade. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos do espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia sólida e amadurecida.
Por isso, uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. O nosso papel é ouvir as pessoas, conhecer suas queixas, identificar suas carências e cobrar soluções dos governantes. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
O esforço de isenção não se confunde com a omissão. O leitor espera uma imprensa combativa, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia. A sociedade quer um quadro claro, talvez um bom infográfico, que lhe permita formar um perfil dos homens públicos: seus antecedentes, sua evolução patrimonial, seu desempenho em cargos atuais e anteriores, etc. Impõe-se, também, um bom levantamento das promessas de campanha. É preciso mostrar os eventuais descompassos entre o discurso e a realidade. Trata-se, no fundo, de levar adiante um bom jornalismo de serviço.
Os políticos, pródigos em soluções de palanque, não costumam perder o sono com o rotineiro descumprimento da palavra empenhada. Afinal, para muitos deles, infelizmente, a política é a arte do engodo. Além disso, contam com a amnésia coletiva. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Precisamos falar do futuro, dos projetos e dos planos de governo. Mas precisamos também falar do passado, das coerências e das ambiguidades.
A imprensa, sem precipitação e injustos prejulgamentos, tem o dever de desempenhar importante papel na recuperação da ética na vida pública. Transparência nos negócios públicos, ética e competência são importantes demandas da sociedade. Nosso compromisso não é com as celebridades, mas com a verdade, com a informação bem apurada e com os leitores. E nada mais.
Só uma séria retomada na qualidade informativa garantirá a fidelidade dos antigos leitores e a conquista de novos. Precisamos mostrar que o jornal continua sendo útil, importante, interessante.
Carlos Alberto Di Franco, doutor em Comunicação pela Universidade de Navarra, professor de Ética, é diretor do Master em Jornalismo (www.masteremjornalismo.org.br) e da Di Franco - Consultoria em Estratégia de Mídia (www.consultoradifranco.com
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