FOLHA DE S. PAULO
Em palestra na ABL anteontem, ex-presidente diz que, embora aristocrata, pensador brasileiro priorizava a igualdade
Fernando Henrique Cardoso abriu ciclo de conferências sobre o centenário de morte de Joaquim Nabuco e o comparou a Tocqueville
Antônio Góis
Da Sucursal do Rio
Ao abrir o ciclo de conferências sobre o centenário de morte de Joaquim Nabuco na Academia Brasileira de Letras anteontem, o sociólogo e ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comparou o pensamento de Nabuco com o do aristocrata francês Alexis de Tocqueville (1805-1859) para ressaltar que o abolicionista não pode ser considerado um conservador clássico.
Nabuco nasceu em 1849 no Recife. Em sua atuação como parlamentar no império e em seus textos, destacou-se principalmente pela luta abolicionista, mas foi também crítico da república e fiel à monarquia mesmo após sua queda.
Tocqueville é autor de estudos sobre o antigo regime e a Revolução Francesa, mas sua obra mais citada em estudos políticos é "A Democracia na América", em que analisa o sistema político e social dos EUA.
FHC lembrou que, apesar de terem feitos suas análises em períodos diferentes -Tocqueville na primeira metade do século 19 e Nabuco, principalmente na segunda-, os dois escreveram sobre o regime político na Inglaterra e nos EUA.
Para ele, essa comparação evidencia que, apesar de ser também aristocrata, Nabuco tinha um sentimento democrático e igualitário que não se via num conservador clássico como Tocqueville.
O ex-presidente destacou, por exemplo, que os dois se apaixonaram pela Inglaterra, mas por razões distintas. Enquanto Tocqueville ressaltava o papel da aristocracia inglesa, Nabuco se entusiasmava pelo país em função dos seus mecanismos democráticos, em especial o Poder Judiciário.
"Nabuco até aprecia a monarquia na Inglaterra, mas seu lado de pensador político está colocando ênfase no direito dos cidadãos, na liberdade e na possibilidade de acesso à Justiça para todos", afirmou FHC na palestra.
Já em suas análises sobre os EUA, o ex-presidente também destacou o fascínio que o país exerceu nos dois intelectuais.
"Mas Tocqueville não vê o que está acontecendo na América com empatia. Ele sabe que é inevitável a formação de uma sociedade democrática, mas faz duras críticas à igualdade e ao sistema que, como diz, está levando a uma cultura em que a classe média transforma o gozo dos bens materiais em fruição suprema e impede que se veja o interesse público."
Já no caso de Nabuco, FHC destaca que o brasileiro, mesmo se encantando com a ideia de igualdade na sociedade americana, percebeu que ela não era para todos, antevendo já no final do século 19 e no início do 20 um sentimento de superioridade dos norte-americanos sobre outros povos.
"Nabuco destaca que 7 milhões de negros, além de chineses e outros imigrantes, não tinham acesso a essa igualdade. Questiona também se os americanos realmente se sentem iguais aos vizinhos de Cuba ou do México. Mais uma vez, ele expressa um sentimento genuinamente forte de igualdade substantiva, se irmanando com negros, latinos e chineses."
O ex-presidente destacou que Nabuco, talvez influenciado por sua atuação como primeiro embaixador brasileiro em Washington, passou a defender nos últimos anos de vida uma maior aproximação com os EUA como estratégia para que o Brasil exercesse nas Américas papel de moderação.
Para FHC, pode até parecer estranho que Nabuco, que fizera críticas duras aos Estados Unidos, a partir de certa altura achasse que era melhor ter uma relação mais direta entre os dois países.
"Mas ele via nesse movimento uma oportunidade para que o Brasil exercesse nas Américas um papel de moderador", defendeu o ex-presidente.
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