O GLOBO
Portugal rebaixado, e a Grécia às portas do Fundo Monetário Internacional. Isso é uma crise do euro? O professor Dionísio Dias Carneiro acha que não. "É melhor eles irem ao FMI do que serem socorridos pela Alemanha", pensa o economista.
Dionísio prevê que esta crise vai ser longa, pode provocar nova recessão no ano que vem, mas não nos afeta.
O professor da PUC fez um longo relatório no boletim de sua consultoria, a "Carta Galanto", sobre esse assunto, juntando artigos de outros economistas e um resumo do que ele falou num debate recente na universidade.
Na conversa que tivemos ontem, ele disse que a crise que hoje abala vários países europeus é uma típica consequência de um período de liquidez longa e abundante, com spreads muito baixos: — É um problema provocado pelo endividamento excessivo que ocorre nos booms de crédito, crise que atinge empresas, pessoas e países. A origem é a mesma da turbulência do ano passado.
O boom de crédito é sempre bom enquanto dura, e tudo vai bem enquanto o mundo está favorável.
O tremor que atinge agora os países europeus tem uma complicação: atingir países de uma região que tem uma moeda única, usada tanto pelos encrencados quanto pelas economias poderosas, como a Alemanha. Dionísio não acredita que isso é uma crise do euro, apesar da desvalorização da moeda, que atingiu ontem sua menor cotação em 10 meses frente ao dólar. A máxima nesse período aconteceu dia 25 de novembro do ano passado, quando o euro estava cotado a US$ 1,5134. Agora, está em US$ 1,3321, queda de 12% em quatro meses, e as previsões são de que a redução continue: — A moeda se enfraquece para quem achava que ela iria se tornar já a moeda de reserva. Mas o euro é apenas uma das moedas que são usadas para quem quer fazer as contas. Sua cotação está oscilando, mas o dólar também caiu pra burro.
O acordo a que se estava chegando ontem entre Alemanha e França com a Grécia, para a ida do país ao FMI, é um passo positivo, na visão de Dionísio, e não significa que o projeto da moeda multinacional se enfraquece.
— Imagina o que seria a Alemanha monitorando as contas dos gregos, depois dos portugueses, espanhóis, ou outros? Imagina o tempo que tomaria criar um Fundo Monetário Europeu? O mais razoável é que isso seja feito pelo FMI, que está acostumado a ser criticado.
No Fundo, inclusive, os europeus têm um poder muito maior do que seu peso econômico no mundo — explicou Dionísio.
O acordo feito ontem vai significar a imposição de sanções para descumprimento de metas fiscais, que se fossem impostas por uma nação sobre a outra, de fato, provocariam muito mais os brios nacionalistas. O arranjo em que os europeus apenas complementam os empréstimos fica mais manejável politicamente.
Dionísio lembrou — ao rejeitar a tese de que a ida de um país da Zona do Euro enfraquece a própria ideia de uma moeda internacional — que em 1977 a Inglaterra foi ao Fundo Monetário: — Era um país só, mas era nada menos que a libra.
Ontem, a Fitch anunciou a redução da classificação da dívida de Portugal. A nota do país caiu de "AA" para "AArdquo;.
Nenhum rebaixamento é coisa boa, mas é bom lembrar que o Brasil festeja estar no nível "BBBrdquo;, o primeiro nível que é considerado grau de investimento. Mesmo com Portugal caindo, e o Brasil numa excelente situação, a dívida brasileira teria que subir seis degraus para chegar onde está Portugal.
Dionísio acha que depois da Grécia outros países da região irão ao FMI, e que esta será uma crise longa: — É problema para dois ou três anos, para que eles consigam atingir suas metas fiscais.
Mas mesmo nos Estados Unidos e grandes países europeus o endividamento público aumentou muito, e os bancos centrais absorveram muitos ativos podres. Vai demorar a retornar à situação anterior. Pior ainda é o caso do desemprego em torno de 10%, que também não terá recuperação fácil.
Ele acha que o Brasil está fora desta, neste momento, porque o país tem sido beneficiado pela necessidade que a China tem dos produtos que exportamos — minérios e alimentos, principalmente — e porque há um enorme interesse dos investidores no Brasil: — Voltou a haver fluxo para ativos de risco, dentre eles, os emergentes, e dentro dos emergentes o Brasil aparece como um excelente investimento.
Dionísio acha que a crise dos países vulneráveis europeus tem dois bons efeitos: — O primeiro é de que ficou claro que a entrada dos países na Zona do Euro não os livrou de restrições fiscais, nem da necessidade de fazêlos.
A Espanha, hoje, tem um sistema rodoviário excelente, financiado a custo alemão, apesar de continuar sendo um risco latino.
Outra vantagem é estabelecer um certo limite, ou uma redução do processo de crescimento da Zona do Euro: — A rigor, não há diferença entre Grécia e Turquia, mas a França ficou contra a entrada da Turquia porque sabia que depois seriam candidatos Egito, Marrocos, Tunísia. E dos países do norte, depois da Hungria, República Checa, viriam Eslováquia, Letônia, Estônia. Os países que vão sendo adicionados poderiam criar novos desequilíbrios.
No futuro, podem ser todos membros de uma unidade monetária só, mas o ritmo da entrada deve ser mais lento.
No texto que publicou na Galanto, Dionísio sustenta que a crise é grega e resultado das escolhas dos gregos nos últimos 40 anos.
O país foi beneficiado por vários choques favoráveis, um deles a entrada na Zona do Euro. Mas esta não é uma crise do euro. O encarecimento da dívida grega revela a "precariedade da construção por trás de Maastricht". Ou seja, o foco não está no euro, mas ele tem seus problemas.
Entrevista:O Estado inteligente
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