O Estado de S. Paulo - 18/03/2010
Para construir um cais, um ramal ferroviário ou uma pequena hidrelétrica, as empresas terão de responder não só aos órgãos de licenciamento ambiental, mas também aos sindicatos e centrais sindicais, se entrar em vigor proposta contida no Decreto dos Direitos Humanos, publicado em 21 de dezembro. Ao defender essa inovação, a Secretaria Nacional de Direitos Humanos declara a incompetência dos órgãos de Estado para tomar decisões de política ambiental. Além disso, e este é o ponto mais importante, propõe privatizar parte do poder e da responsabilidade até agora atribuídos a entes públicos. Pode-se imaginar a ansiedade: a empresa terá de persuadir um representante da CUT ou um dirigente da Força Sindical? Ou terá de se entender com um negociador de alguma central menor, mas não menos empenhada na defesa de seus objetivos ou interesses, sejam quais forem?
Essa proposta não é isolada nem é um detalhe menor no conjunto do texto. Ao contrário: a formação de conselhos e a mobilização de grupos organizados ? e obviamente sujeitos a controle político ? são componentes essenciais do decreto. As alterações admitidas pelo governo, depois da onda de críticas nos últimos meses, não eliminam esse dado. O Decreto dos Direitos Humanos continuará sendo parte de um projeto de poder populista e autoritário.
O governo aceita rever, segundo se divulgou, alguns pontos sujeitos a intensa polêmica: a legalização do aborto, a proibição de símbolos de religião em locais públicos, a mediação entre invasores e vítimas de invasão, antes da reintegração de posse, e as tentativas de censura à imprensa. O presidente da República já havia admitido mudar a linguagem na parte relativa às investigações sobre violências no período militar.
Nenhuma dessas alterações afeta o sentido geral do decreto. O governo, em seu aparente recuo, simplesmente atende a críticas parciais. Age como se bastasse eliminar pontos de atrito com as igrejas, acalmar os militares, tranquilizar os defensores mais zelosos da liberdade de imprensa e reduzir a inquietação dos fazendeiros. Mas esses não são os únicos problemas do decreto. É um erro perigoso interpretar a proposta de mediação entre invasores e vítimas de invasão como se os únicos interesses ameaçados fossem os do grupo ruralista. É uma interpretação míope. Propostas como essa agridem a ordem legal, e não só os interesses de uma categoria, e põem em xeque um dos Poderes do Estado de Direito, o Judiciário. Isso afeta a segurança de todas as pessoas, e não apenas a dos proprietários de terras.
Também o Poder Legislativo está na mira dos autores do decreto. É preciso, segundo o texto, "estimular o debate sobre a regulamentação e efetividade dos instrumentos de participação social e consulta popular, tais como lei de iniciativa popular, referendo, veto popular e plebiscito". Hugo Chávez não faria melhor. Propostas desse tipo não são formuladas para aperfeiçoar a democracia, mas para desvalorizar o Parlamento.
Em sociedades grandes e complexas, o sistema representativo ainda é muito mais compatível com a democracia do que o recurso frequente ao plebiscito, ao referendo e às formas de intervenção direta na ação legislativa e na administração. A maioria dos cidadãos simplesmente não tem tempo, disposição e vocação para se dedicar à articulação política e ao jogo do poder no dia a dia. Mas é esse o regime obviamente pretendido por quem se dispõe a comandar grupos organizados e a usar os chamados movimentos de massa para controlar a sociedade. O decreto não chega a propor a criação de milícias populares no estilo chavista. Ficaria óbvio demais.
Mas a predileção dos autores do decreto pela atuação de conselhos e grupos organizados de todo tipo é evidente. O texto propõe, por exemplo, "a criação e o fortalecimento dos conselhos de direitos humanos em todos os Estados e municípios e no Distrito Federal, bem como a criação de programas estaduais de direitos humanos". O passo seguinte deve ser a formação de mecanismos "de ação coordenada entre os diversos conselhos de direitos, nas três esferas da Federação, visando à criação de uma agenda comum", etc. Quem coordenará os conselhos e articulará as políticas?
O caráter "transversal" dos direitos humanos ? uma das joias linguísticas do decreto ? mistura numa geleia geral todas as classes de atividades. Daí a proposta de "fomentar o debate sobre a expansão de plantios de monoculturas que geram impacto no meio ambiente e na cultura dos povos e comunidades tradicionais, tais como eucalipto, cana-de-açúcar, soja, e sobre o manejo florestal, a grande pecuária, a mineração, o turismo e a pesca". Tudo isso seria engraçadíssimo, se não fosse o esboço de um controle absoluto sobre decisões econômicas extremamente complexas. Com a mesma singeleza, os autores do decreto propõem "garantir a aplicação do princípio da precaução na proteção da agrobiodiversidade e da saúde, realizando pesquisas que avaliem os impactos dos transgênicos no meio ambiente e na saúde". Não há nenhuma novidade no princípio de precaução. Novidade será a instalação de um comissariado do povo para controlar a pesquisa. Já se tentou o comando ideológico da Embrapa, no primeiro governo do presidente Lula. Não deu certo, assim como não deu certo a primeira tentativa de instituir um comissariado para controle da imprensa. Mas os planos, como se vê, não foram enterrados.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2010
(1998)
-
▼
março
(253)
- Celso Ming -Virada do trimestre
- ALEXANDRE SCHWARTSMAN Síndrome da China
- DORA KRAMER Falha da gerência
- MERVAL PEREIRA Palanques abalados
- MÍRIAM LEITÃO BC estatal
- JOSÉ NÊUMANNE Os maus conselhos que as pesquisas dão
- RUY CASTRO Olhos de Armando
- Celso Ming - Dilma, Eike e os irmãos PAC
- MERVAL PEREIRA A boca do jacaré
- DORA KRAMER Ainda falta o principal
- FERNANDO DE BARROS E SILVA Fora, Suplicy!
- O apagão de Lula
- Miram Leitão Peça de marketing
- Fora de controle-Ricardo Noblat
- Carlos Alberto Sardenberg -Alguém vai se decepcionar
- Denis Lerrer Rosenfield -O espírito do capitalismo
- SANDRA CAVALCANTI Gracinhas típicas de marionetes
- Fernando RodriguesO PT no Sudeste
- AUGUSTO NUNES A LIÇÃO DE UM PAÍS CIVILIZADO AO GRO...
- DANUZA LEÃO Adultério consentido
- VINICIUS TORRES FREIRE A China está soprando bol...
- MERVAL PEREIRA - O exemplo de Lula
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Um certo cansaço
- Míriam Leitão Hora do futuro
- Dora Kramer -Um País de todos
- Celso Ming - A fragilidade do euro
- Gaudêncio Torquato Malabaristas no picadeiro
- Suely Caldas A pobreza em foco 2
- Ferreira GullarA cara do cara
- Merval Pereira Cartão de advertência
- FH: 'É inédito na História republicana'
- NELSON MOTTA Sonho de uns, pesadelo de outros
- Reinaldo Azevedo O AI-13 dos militontos
- MÍRIAM LEITÃO Felizes, separados
- Gilmar Mendes EDITORIAL da FOLHA
- Celso Ming - Curto-circuito
- Ruy Castro -Deixadas no passado
- Dora Kramer - Mudança de rumo
- Fernando Rodrigues -O "X" não aconteceu
- Serra mostra fôlego Fernando de Barros e Silva
- Mauro Chaves Duro é escapar de vizinhos
- A fraqueza do Estado Celso Ming
- Não vai dar para todo mundo:: Vinicius Torres Freire
- Horror à política:: Fernando de Barros e Silva
- JOÃO MELLÃO NETO Quem vai ser presidente?
- MERVAL PEREIRA Fio tênue
- DORA KRAMER Propaganda enganosa
- RUY CASTRO Rio estilo Projac
- MÍRIAM LEITÃO Ata dos derrotados
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG Os dilemas do clima
- Devaneio autocrático
- MIRIAM LEITÃO - Gregos e portugueses
- As greves contra Serra
- Celso Ming Portugal segue a Grécia
- MERVAL PEREIRA Mineiridades
- DORA KRAMER Elogio ao delito
- Adriano Pires-O que Começa Errado Acaba mais Errado
- PAULO RABELLO DE CASTRO O Rio vai à guerra pelo ...
- VINICIUS TORRES FREIRE O índice luliano de alegria
- Demóstenes Torres - O Brasil precisa dizer não
- Partido de programa Fernando de Barros e Silva
- MERVAL PEREIRA O petróleo na política
- DORA KRAMER Politiquinha
- MÔNICA BERGAMO Alberto Goldman, senhor governador
- Celso MingCompre já, pague depois
- Miram Leitão No silêncio da lei
- A internacionalização da economia brasileira
- Rubens Barbosa - Parceria Trans-Pacífico
- DORA KRAMER Conflito de interesses
- MERVAL PEREIRA A mudança chegou
- Vinicius Torres Freire A "herança maldita" de Lula
- Celso Ming Aumenta o rombo
- Míriam Leitão Novo fôlego
- :Lições das Damas de Branco-Mary Zaidan
- Patuscada Internacional Roberto Freire
- Os nanicos Fernando Rodrigues
- Um quixote no PT Fernando de Barros e Silva
- Enquanto é tempo Alon Feuerwerker
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG AS TAREFAS DE LULA
- KÁTIA ABREU Verdade ambientalista versus fundamen...
- CARLOS ALBERTO DI FRANCO Máquina de corrupção
- CELSO MING - A alcachofra
- EDITORIAL - O GLOBO Corrida na internet
- JOÃO UBALDO RIBEIRO Aperfeiçoando a Receita
- FERREIRA GULLAR A pouca realidade 2
- MARIANO GRONDONA ¿Cómo evitar la anarquía sin reca...
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ ¿Un gobierno en manos de la ...
- GAUDÊNCIO TORQUATO Fechando as cortinas do palco
- DANUZA LEÃO Passeata chocha
- MERVAL PEREIRA Crise no FMI
- DORA KRAMER Bicos calados
- SUELY CALDAS A pobreza em foco
- Celso Ming -Tempo para conserto
- DORA KRAMER Para o que der e vier
- MERVAL PEREIRA O preço político
- Miriam Leitão Juros do dilema
- A ''verdade coletiva'' de Lula: Roberto Romano
- FHC exalta democracia de Nabuco
- O blefe de Lula:: Villas-Bôas Corrêa
- Viagem à Petra-Maria Helena Rubinato
-
▼
março
(253)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA