O GLOBO
A aprovação da reforma da saúde foi a maior vitória do presidente Barack Obama e veio no momento em que ele mais precisava. A popularidade dele está em queda, este é o ano das eleições de meio de mandato.
Obama poderá agora se dedicar às outras grandes lutas: reforma financeira, lei climática, política externa.
No Brasil, os planos de saúde estão regulados por uma medida provisória que já mudou 45 vezes.
Obama jogou tudo na aprovação do projeto que tenta universalizar a cobertura de saúde no país. Outros presidentes foram derrotados, ele venceu; agora está com força para ir adiante.
A lei vai inicialmente dar um fôlego político ao Obama, que estava se enfraquecendo frente ao Congresso e à opinião pública em geral. Mas o sucesso desta nova legislação em criar um estado do bem-estar social melhor vai demandar um pouco mais de tempo e dependerá do processo de implementação analisa o cientista político Fernando Abrucio, da FGV.
Se der certo, diz Abrucio, pode ser um trunfo para a reeleição. Mas a lei entra em vigor devagar, ainda exige o processo de conciliação dos pontos pendentes, que tiveram versões diferentes na Câmara e no Senado.
Abrucio acha que agora Obama poderá se concentrar em outras frentes de combate: a política externa e a front econômico.
O melhor cenário para Obama é não acontecer nada de anormal na frente externa até a reeleição. Acho pouco provável que ele avance na agenda multilateralista. Na economia, se o país voltar a recuperar emprego e crescimento, mesmo que paulatinamente, ele tem chances de ser reeleito. Num segundo mandato, ele poderia retomar o reformismo diz o cientista político.
Por falar em saúde, no Brasil o SUS, como o nome diz, é universal, mas com todas as falhas conhecidas. A classe média recorre aos planos de saúde e acumula queixas. Hoje, existem no país 54 milhões de segurados, mas destes só 20% são de pessoas físicas. O resto está nos planos das empresas. Detalhe, alguns grandes planos, como Bradesco e Sul América simplesmente abandonaram o segmento pessoa física, expulsando segurados que estavam anos pagando o plano.
A ex-diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar Maria Stella Gregori é defensora da regulamentação que está em vigor desde 1998 porque acha que houve avanços em vários pontos, mas admite que a situação está incerta no Brasil: A lei foi alterada por uma MP que mudou 45 vezes.
Aí veio a emenda constitucional que impede novas mudanças e derruba MPs não aprovadas. Ela só não cai porque é anterior à emenda. O assunto estava sendo retomado, mas dificilmente vai adiante em ano eleitoral.
Nos Estados Unidos, quando a lei estiver implementada não haverá a ideia da doença preexistente.
Aqui, a operadora pode se recusar a pagar por dois anos a doença preexistente.
Nos Estados Unidos, todos serão obrigados a ter um plano de saúde. Aqui, quem não tem plano, usa o SUS.
Lá, quem não tem condições de pagar receberá um forte subsídio público que pode chegar a cobrir até 98% do total do custo. Enfim, os sistemas são bem diferentes, mas a regulação do setor privado será mais rigorosa lá do que aqui no Brasil. A partir da lei aprovada neste fim de semana, toda empresa será obrigada a contratar seguro-saúde para seus funcionários, do contrário, pagará multa.
A reforma custará US$ 1 trilhão em 10 anos. Os republicanos, que não reclamaram dos déficits crônicos da era Bush, dos gastos exorbitantes com as guerras e com o custo do plano de salvação do mercado financeiro, votaram contra, entre outras coisas, pelo custo fiscal do programa.
Ligia Bahia, do Laboratório de Economia Política da Saúde, da UFRJ, também define como histórica a reforma aprovada pelo governo Obama e conta que os números mostram que deixar tudo como estava ficaria mais caro.
Os Estados Unidos são o país que mais gasta recursos com saúde no mundo, cerca de 16% do PIB, o dobro do que gasta o Reino Unido (8%) e quase o dobro do que gasta a França (10%).
O sistema americano é caro e ineficiente. A França gasta muito menos e oferece um serviço melhor. Nos EUA, por exemplo, não existe um ministério da saúde. Todo o sistema é fragmentado. Agora, Obama cria pela primeira vez a adesão compulsória ao plano de saúde, com multas pesadas para quem não aderir, e ao mesmo tempo fornece subsídios a quem tem dificuldade de pagar explicou.
O modelo brasileiro de acesso universal ao serviço de saúde é baseado na experiência inglesa. A diferença, segundo Ligia, é que lá 80% do serviço é público, enquanto no Brasil o percentual cai para 45%.
No Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, os planos de saúde são os campeões em reclamação, porque o instituto recebe queixas também das pessoas jurídicas que contratam planos coletivos. A lei brasileira criou regras mais rigorosas para os planos de pessoas físicas, e é por isso que os planos de saúde não querem oferecer cobertura para esse segmento. No Procon do Rio, a maior reclamação é pela elevação do custo por mudança de faixa etária. Pela lei, após 59 anos de idade pode-se cobrar um preço seis vezes maior do que se cobra de um segurado com menos de 18 anos.
Entrevista:O Estado inteligente
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