O ESTADO DE SÃO PAULO - 08/03/10
O governo Lula desistiu de privatizar o trecho de 300 km da BR-381, rodovia que vai de Belo Horizonte a Governador Valadares. Motivo, segundo explicou o ministro dos Transportes, Alfredo Nascimento: o pedágio ficaria muito caro, já que a estrada exige investimentos pesados. A obra, agora, será feita pelo próprio governo.
Parece uma decisão sensata. Para não onerar os que utilizam a estrada, o governo assume a tarefa de prestar esse serviço público. É falso, porém.
Começa que a obra não será feita; não num horizonte de tempo razoável. Se o governo não tinha o dinheiro para mantê-la minimamente em condições, se os investimentos em outras estradas são limitados e andam atrasados, de onde vai sair o dinheiro graúdo para esse trecho?
A alternativa, na verdade, não estava entre uma boa estrada privatizada/pedagiada e uma rodovia pública razoável e de graça. Era ou estrada pedagiada ou a mesma porcaria que está lá. Por que se optou pela porcaria? Por razões políticas. Num ano eleitoral, o governo não quer aparecer como tendo privatizado uma estrada importante e na qual se pagaria pedágio considerado caro.
Já no segundo mandato, e depois de mais de quatro anos estudando uma fórmula de investir em estradas que não fosse o "neoliberalismo" da concessão, o governo Lula resolveu conceder algumas vias, mas de tal modo que o pedágio saísse bem baratinho. Não cobrou outorga das concessionárias - ou seja, entregou de graça as estradas - e selecionou os vencedores pelo critério do menor pedágio. Teve empresa que ganhou propondo pedágio de menos de R$ 1, fato que foi alardeado pelo governo como o modo lulista de privatizar, digo, de conceder.
Ocorre que a coisa não andou muito bem. Empresas vencedoras, em algum tempo, passaram a pedir reajustes extras nos pedágios, sem o que não teriam os recursos para investir na melhoria das rodovias. Continua enrolado. Com isso, o processo de concessão de rodovias acabou suspenso, como se comprovou com esse caso da BR-381.
Reparem: a preocupação não foi com a melhoria da infraestrutura ou mesmo com o bolso dos usuários. Foi simplesmente para evitar uma complicação política ou a perda do discurso que compara o pedágio lulista com o pedágio tucano.
Construção e gestão de estradas é investimento caro. Por isso praticamente no mundo todo se opta pelos pedágios como forma de financiamento. Também se considera justo que o custo da estrada seja pago pelos seus usuários diretos, e não por todos os contribuintes. É comum que se cobre pelo uso, mesmo quando a estrada é operada pelo governo.
Há também toda uma discussão sobre o preço do pedágio, especialmente quando a rodovia é concedida a empresas privadas. Se o governo cobra pela concessão e se exige investimentos pesados na obra, é claro que o pedágio fica mais caro. É o caso das estradas paulistas, as "tucanas" - são as melhores do País, com padrão internacional, mas caras.
Reduzindo-se o padrão e sem cobrança pela outorga, sai mais barato. É uma opção. Tem a vantagem de facilitar a vida dos usuários, mas uma desvantagem importante: o governo, dono da estrada, não ganha nada com a concessão. Se cobrasse por ela, o governo poderia, por exemplo, financiar estradas não rentáveis ou gastar mais em saúde e educação.
Mas esse debate passou longe do governo. A questão ali era como obter um pedágio baratinho para usar na campanha. Não conseguindo, opta-se pela estrada pública e ruim.
Aeroportos - A mesma coisa ocorre com aeroportos. Hoje é praticamente tudo estatal. As tarifas de embarque e operação são caras, mas os serviços estão longe de eficientes. É preciso ampliar os aeroportos existentes e construir novos, mas os investimentos atuais, públicos, do PAC, mal dão para um quebra-galho. Em resumo, trata-se de um fracasso, cada vez mais evidente na medida em que o País cresce e aumenta a demanda de passageiros e carga. Com a aproximação da Copa e da Olimpíada, a situação é simplesmente crítica.
E o que faz o governo? Não sabe. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, que manda na Infraero, a estatal que administra os aeroportos, havia anunciado planos de abrir o capital da empresa, vender ações em bolsa e assim levantar o dinheiro necessário para novos investimentos. Era uma ideia interessante, mas ficou por aí. Também parecia, num dado momento, que a privatização - pelo sistema de concessão a empresas privadas de aeroportos atuais ou a construir - era uma hipótese bem-vista na assessoria de Jobim. O governador do Rio, Sérgio Cabral, pediu esse tipo de privatização, e urgente, para o Galeão. Mas também não andou.
Aqui houve uma curiosa mistura de doutrina de segurança militar e ideologia estatizante. Para oficiais da Aeronáutica, a aviação, sendo estratégica para a defesa, pois o País pode ser alvo de um ataque aéreo, tem de ser controlada pela Força Aérea. Para um certo pensamento político, a aviação é estratégica para a economia local, por isso tem de estar em mãos nacionais e estatais. Ora, o fato de um aeroporto ser administrado por uma companhia privada não impede que a Aeronáutica cumpra suas funções de segurança. E, se é estratégico para a economia, não se conclui daí que tenha de ser estatal, mas eficiente.
Por outro lado, a experiência internacional mostra que há aeroportos privatizados, de diferentes maneiras, que funcionam muito bem. Mas como fazer isso num momento em que o presidente Lula está entusiasmado com a criação de estatais e numa campanha em que o investimento público via PAC é uma bandeira?
Dá num absurdo. Temos um setor inteiramente estatal que é um fracasso, um obstáculo ao crescimento do País, uma ameaça à Copa e à Olimpíada, mas que não pode ser privatizado para não atrapalhar o quê? Mais estatização!
*Carlos Alberto Sardenberg é jornalista E-mail: sardenberg@cbn.com.br
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