O GLOBO
"Notícia é o que a gente quer esconder; o resto é propaganda".
(Lula, que gostava de notícia antes de virar presidente)
No passado, desdenhou o canudo da universidade.
Por hábito, censura o comportamento da imprensa.
Ridicularizou em Cuba a greve de fome e o conceito de direitos humanos. Na semana passada, para completar, debochou da Justiça. E logo após ter sido punido duas vezes com um total de R$ 15 mil em multas por fazer campanha fora de hora para Dilma.
Saiu no lucro, ressalve-se. O que representam R$ 15 mil para quem se ocupa há mais de um ano e meio em afrontar a lei eleitoral? No caso, a Justiça foi cega, lenta e conivente. Em benefício da solidez das nossas instituições, digamos, porém, que na maioria das vezes a Justiça se limita a ser cega e lenta.
Manda Paulo Okamoto, atual presidente do Serviço Brasileiro de Apoio a Micros e Pequenas Empresas, pagar a multa! Em 2004, Okamoto pagou do próprio bolso uma grana que Lula devia ao PT. Sindicalistas zelosos já se ofereceram para quitar a multa e agradar Lula. Sem problema.
Problema e grave é ver o presidente da República incitar seus seguidores a ignorarem a lei. Foi assim em Osasco, São Paulo, durante a inauguração de 106 apartamentos inacabados. A multidão começou a gritar o nome de Dilma. Conhecido por repreender com severidade multidões que vaiam seus aliados, como Lula reagiu?
Disse: Se eu for multado, vou trazer a conta para vocês.
As pessoas acharam graça e fizeram com as mãos o gesto de assentimento.
A faceta cada vez mais debochada de Lula com tudo e com todos combina com a faceta conhecida de um país galhofeiro, mas é imprópria para o titular do cargo mais importante do serviço público.
Nem os generais da ditadura, nem mesmo Jânio Quadros, por exemplo, ousaram tanto. Os militares aviltaram a democracia, mergulhando o país numa treva de duas décadas. O folclórico Jânio avacalhou o voto popular mergulhando sua alcoolizada presidência num porre de sete meses que acabou, três anos depois, com a ressaca do golpe militar.
Mas os generais conseguiram manter a pose e a circunstância ensaiadas em suas academias militares, embora a tortura rolasse nos porões. E Jânio fingiu uma sobriedade expressa em bilhetinhos nervosos que projetavam um bafo austero sobre a administração.
Diferente deles todos, Lula não mascara o que é, nem finge o que não é.
Isso é bom quando ele atravessa a barreira que sempre separou governantes de governados e procura atender às necessidades primárias do povo. É ruim quando, do alto de seus impressionantes 76% de aprovação popular, e no ocaso de uma administração histórica, sente-se no direito de desafiar qualquer coisa, até mesmo a Justiça.
Com frequência, a língua nada presa e muitas vezes irresponsável de Lula vergasta instituições, ideias, princípios e verdades. Em Osasco, ela justificou a falta de revestimento nas paredes dos apartamentos com uma desculpa malandra: Tem gente que vê o azulejinho de uma cor e na semana seguinte tira e coloca outro.
Qualquer cidadão tem o direito de criticar a imprensa.
Eu diria o dever. Ela é poderosa demais para ficar imune a críticas. E se não lhe faltarem sabedoria e bons propósitos, aprenderá com elas. Mas esse não é o objetivo de Lula ao admoestá-la.
Lula é um governante populista e autoritário. Esse tipo de gente prefere uma imprensa servil.
Não consigo entender a predileção (da imprensa) pela desgraça. Há tanta coisa boa no cotidiano do povo brasileiro, repetiu ele outro dia. O lamaçal que derrubou o governo de José Roberto Arruda não arrancou de Lula uma só palavra de indignação. Imagem não quer dizer tudo, afirmou de cara limpa. Referia-se aos vídeos do escândalo.
OK. Lula foi apenas coerente.
Afinal, o mensalão jamais existiu. O preso político cubano Orlando Zapata morreu porque decidiu fazer uma greve de fome. E preso político é igual a preso comum. Pois imagine se todos os bandidos que estão presos em São Paulo entrassem em greve de fome e pedissem liberdade.
Entrevista:O Estado inteligente
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