EDITORIAL DE O ESTADO DE S PAULO
Com sua desmedida reação a um texto humorístico publicado pelo jornal de oposição Tal Cual - no qual se imagina a Venezuela sem seu atual presidente -, o governo de Hugo Chávez deu mais uma demonstração de sua imensa dificuldade em lidar com as instituições essenciais da democracia, entre as quais a imprensa livre, quando estas não atendem a seus objetivos políticos. O Ministério da Comunicação e Informação disse que o texto é "um convite a um plano golpista, genocida e terrorista, que é mascarado através do humor" e o próprio presidente Chávez, em programa de rádio e televisão, anunciou que pedirá ao Ministério Público a punição do jornal.
O diretor de Tal Cual, Teodoro Petkoff, um dos mais respeitados jornalistas do país, comentou com humor a irada reação oficial. "O governo tem dificuldade de entender textos de humor", disse ele ao jornal O Globo. Na verdade, porém, as dificuldades do governo de Chávez são muitas, e bem mais graves do que simplesmente não entender textos humorísticos. Há pouco, tirou do ar cinco canais de televisão por não terem transmitido um discurso de Chávez, o que desencadeou uma onda de protestos
Para se perpetuar no poder, além de tentar controlar a imprensa, o governo bolivariano de Chávez vem promovendo reformas que, mantendo as aparências de democracia, alteram o panorama eleitoral. As mudanças, obviamente, favorecem a situação e fortalecem o poder do governo central, em detrimento dos Estados.
Como a oposição boicotou a eleição de 2005, o governo controla a Assembleia Nacional. Mesmo com seu prestígio político em queda, o governo tentará manter, nas eleições de setembro, a maioria de dois terços que tem no Legislativo e é essencial para aprovar as reformas que lhe garantem cada vez mais poder e meios para Chávez permanecer no cargo. Já adotou uma regra que unifica ou divide circunscrições eleitorais, de acordo com critérios que favoreçam os candidatos situacionistas. Numa região em que a vantagem da oposição é exígua, anexou-se a ela uma região onde o chavismo é majoritário. Aquela em que a oposição é maioria foi dividida em duas ou mais, de modo a criar oportunidades para os políticos governistas. Estudos com base no resultado do referendo de fevereiro de 2009 mostram que, pela regras antigas, a oposição obteria 55 cadeiras e o governo, 107; com as novas circunscrições eleitorais, a bancada oposicionista se reduziria para 41 e a governista aumentaria para 121.
Em Caracas, dos cinco representantes, em dez, que poderia eleger pelas regras antigas, a oposição elegeria apenas dois com as novas regras.
Por sua vez, a criação de "regiões federais de desenvolvimento" dá ao governo central mais poderes para redistribuir recursos financeiros e reduz o poder de Estados e municípios, principalmente aqueles governados pela oposição.
Como observou a ex-presidente do Supremo Tribunal Cecilia Soza Gómez, em entrevista a Roberto Lameirinhas, do Estado, as instituições não funcionam adequadamente no país. Na avaliação da ex-juíza, que foi uma das primeira personalidades a se insurgir contra o regime de Chávez e renunciou ao cargo em protesto contra a intervenção do Executivo no Judiciário, a Venezuela vive sob um regime não previsto na Constituição.
O Judiciário julga, o Legislativo vota projetos, a imprensa parece livre, mas, na essência, tudo está sob controle do Executivo. "A independência dos poderes não existe", afirma Cecilia Soza Gómez. "Quando o presidente decide pela expropriação ou nacionalização de uma empresa privada, dois ou três dias depois a Assembleia Nacional aprova uma lei que amplia os poderes do Executivo para levar seu plano adiante. O Judiciário é controlado pelo Executivo. Não há debate nem pluralismo." Em resumo, o que se vê "é o governo utilizando as ferramentas formais da democracia para acabar com a democracia".
Mas Chávez vem perdendo apoio. Um grupo de ex-ministros e aliados pediu sua renúncia, pois, dizem eles, depois de 11 anos no poder, ele "não tem mais legitimidade nem capacidade para governar".
Comemorando esses 11 anos no poder na terça-feira, Chávez garantiu que nele permanecerá pelo menos por mais 11. São cada vez menores as possibilidades de cumprir a promessa.
Entrevista:O Estado inteligente
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