VEJA
Não se contava com os vândalos
O sistema de bicicletas públicas de Paris, inaugurado
há dois anos como um exemplo para as cidades do
futuro, sofre com depredações e roubos constantes
Renata Moraes
Samuel Bollendorf/The New York Times |
INCIVILIDADE E RAIVA Bicicletas de aluguel destruídas em Paris: alvo da revolta dos habitantes dos subúrbios pobres |
Quando as populações de várias cidades europeias aderiram com entusiasmo ao sistema de aluguel de bicicletas públicas, em meados dos anos 90, vislumbrou-se uma possibilidade real de abrandar o caos urbano causado pelo trânsito. A implantação do sistema em Paris, em 2007, tornou-se símbolo de seu sucesso. O Vélib (de vélo, bicicleta, e liberté, liberdade) colocou em circulação 20 600 bicicletas distribuídas por 1 450 pontos da capital francesa. Por apenas 1 euro, pode-se alugar uma delas e deixá-la em outro ponto da cidade num prazo de até 24 horas. De imediato houve redução do trânsito e uma melhora da qualidade do ar. Dois anos depois, o programa enfrenta um problema que põe em risco sua continuidade: 80% das bicicletas já foram depredadas ou roubadas. Em outras cidades, como Barcelona e Copenhague, a porcentagem de depredação e roubo não chega a 10% da frota das bicicletas de aluguel. O prejuízo não é pequeno. Cada bicicleta do Vélib, fabricada especialmente para o sistema e com estrutura reforçada, custa 3 500 dólares.
Exemplares da frota roubada do Vélib já foram encontrados à venda no mercado negro do Leste Europeu e do norte da África. Outros foram abandonados em estradas, muitas vezes depois de ter as rodas retiradas. "Um índice de vandalismo no sistema de aluguel de bicicletas superior a 10% da frota só se explica pela ocorrência de problemas sociais", disse a VEJA o consultor americano Paul DiMaio, especialista em políticas públicas de transporte. Para os franceses, a destruição e o roubo das bicicletas têm como protagonista a mesma parcela da população que, em 2005, promoveu uma onda de incêndios em carros, prédios, escolas e repartições públicas. São moradores dos subúrbios pobres, muitos deles imigrantes com dificuldades de adaptação, que se sentem marginalizados pela sociedade. As bicicletas que integram o Vélib se converteram em alvo de seu ressentimento. Como a maior parte dos 400 quilômetros de ciclovias disponíveis em Paris está na região central e glamourosa da cidade, as bicicletas são associadas ao estilo de vida que eles chamam de "burguês boêmio". "Chegou o momento de usar o transporte alternativo também como forma de inclusão social, ou o sistema pode ficar inviável", disse a VEJA o sociólogo francês Bruno Marzloff, especialista em mobilidade urbana. Enquanto isso não acontece, a empresa concessionária do Vélib conserta 1 500 bicicletas por dia.