Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 04, 2009

Míriam Leitão Os sem-crise

O GLOBO

Eles não demitiram, não perderam receita, estão ampliando negócios e mantendo investimentos. Alguns estão aumentando o número de funcionários. São o que se pode chamar de os sem-crise: setores que ainda não foram atingidos pela recessão ou que, por motivos diversos, estão se saindo melhor nessa difícil conjuntura. Não é fácil agrupá-los. Cada um tem um motivo para estar protegido da tempestade.

A rede Centauro, de material esportivo, planeja inaugurar mais 40 lojas este ano. A Avon, especializada em vendas diretas de artigos de cosméticos e beleza, teve crescimento de 12% na receita do primeiro trimestre, em relação ao mesmo período do ano anterior. O número de revendedores cresceu 6%. O grupo Brookfield Gestão de Empreendimentos, que comanda 15 shoppings na região Sudeste, entre eles, o Rio Sul, disse que, dos seis segmentos dos shoppings, apenas o de lojas âncoras sofreu, pela restrição do crédito. No segmento recreação e lazer houve crescimento acima da média.

A rede Livraria Cultura teve alta de 18% na receita do primeiro semestre, na comparação com 2008. Mais uma superloja será inaugurada este ano e para 2010 a projeção é de abertura de mais duas. A Ambev teve alta de 32% no lucro líquido; de 10,7% na receita; e de 5,1% no volume de vendas no primeiro trimestre. A Coca-Cola garante que vai investir 16,6% a mais em 2009. No 1º trimestre, o volume de vendas da empresa aumentou 4%. A rede Boticário inaugurou 50 novos pontos de venda e diz que o objetivo é chegar a 100 até o final do ano. As vendas cresceram de 7% a 10%.

- Nossas vendas não dependem de crédito e temos produtos de várias faixas de preço - explicou o presidente do Boticário, Artur Grynbaum.

O que explica o bom desempenho numa crise? Primeiro, o varejo ficou mais protegido. Os mais pessimistas acham que ele pode ser atingido depois. Passou melhor quem não vende a crédito. Setor de cosméticos, produtos de beleza, material esportivo, produtos diet/light têm sempre vendido mais que a média.

Alguns foram beneficiados com efeitos colaterais da turbulência. É o caso do segmento recreação e lazer dos shoppings, de acordo com o diretor executivo do grupo Brookfield, Filipe Vasconcelos:

- Duas justificativas têm relação com a crise: menos gente viajando e queda no consumo de artigos mais caros, como eletrodomésticos. Mais gente ficou na própria cidade e acabou gastando fora de casa o dinheiro que seria usado em uma compra financiada.

A venda de livros também foi favorecida por isso, de acordo com o diretor comercial da Livraria Cultura, Fábio Herz. Livro tem baixo preço - se comparado a outros artigos - , é lazer e também ajuda em tempos de crise. Ele explica que, com um gasto de R$30 em um livro, a pessoa consegue ter lazer e entretenimento em casa por uma semana.

Além disso, em momentos de turbulência financeira, há aumento na preocupação com a formação profissional e qualificação, coisas que se conseguem nos livros.

O desemprego fez aumentar a oferta de pessoas disponíveis para venda porta em porta. Aumentou o número de revendedores da Avon.

- Passei a ter mais gente se dedicando às vendas e isso foi importante para o resultado. Todos os nossos investimentos para 2009 foram mantidos, inclusive nos gastos com marketing e publicidade - explicou o presidente da empresa no Brasil, Luis Felipe Miranda.

Os números da Associação Brasileira de Vendas Diretas (ABVD) comprovam. No primeiro trimestre houve aumento de 18,1% no volume de vendas e de 13,8% no número de revendedores.

- Parte de nossas vendas é baseada nas redes de relacionamento dos próprios vendedores. Em tempos de crise, eles acabam sendo beneficiados porque recebem mais ajuda dessa rede, que geralmente incluem amigos e familiares - explicou o presidente da ABVD, Lírio Cipriani.

Os alimentos tiveram queda de preço com a crise internacional e por isso o varejo vendeu mais. Com mais renda disponível pela queda dos alimentos, o consumidor também comprou mais bebidas. Prova desse efeito, segundo o vice-presidente de Comunicação e Sustentabilidade da Coca-Cola Brasil, Marco Simões, é que o auge do crescimento da economia mundial, no segundo trimestre de 2008, foi justamente o menor período de crescimento da empresa no país.

- Estamos crescendo a 22 trimestres seguidos. O de menor crescimento foi o segundo do ano passado, quando as commodities agrícolas estavam em alta e a inflação dos alimentos também. Agora, estamos vendo um efeito contrário, a inflação de alimentos está em queda e isso beneficia o nosso setor - afirmou.

Alexandre Loures, gerente de comunicação corporativa da AmBev, explica também que a antecipação do aumento do salário mínimo, de maio para março, acabou garantindo o consumo das famílias de baixa renda. Além disso, a empresa investiu na diversificação de produtos e embalagens, com preços que poderiam se adaptar melhor à realidade de crise.

É o que registramos na coluna de ontem. A crise se espalha de maneira diferente. A economia brasileira é como um organismo com várias temperaturas. Estes setores, ouvidos hoje, estão quentes.

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