Era o início da Nova República, meados dos anos 1980. Personagem experiente do caos político e inflacionário de 196364, o presidente Tancredo Neves colocou seu homem de confiança, Francisco Dornelles, no Ministério da Fazenda. Sua palavra de ordem — "É proibido gastar" — revelava o inevitável confronto entre os gastos públicos do Antigo Regime e as prioridades sociais de uma democracia emergente.
Por indicação de Mário Henrique Simonsen, Dornelles convidou-me para a equipe do Banco Central, ainda em formação. Mas, para erradicar uma inflação anual de três dígitos em meio à redemocratização, com o menor sacrifício da produção e do emprego, seria preciso enfrentar também o desafio da reforma do Estado. Uma drástica mudança do regime fiscal seria a diferença entre um programa de estabilização bem-sucedido em dois anos e o que acabou sendo a dramática experiência brasileira por duas décadas.
Simonsen era uma figura ímpar. Eu o havia consultado poucos meses antes sobre a conveniência de abrir uma instituição financeira sob um clima de grande instabilidade econômica e incerteza política. E agora retornava para agradecer sua indicação e aconselhar-me novamente. Disse-me o professor que a vida de um homem de conhecimento tem três dimensões. A primeira são os estudos, e aconselhou-me a estar sempre ligado a uma instituição educacional para manter a mente sempre aberta. A segunda é a conquista da independência financeira, a realização profissional por meio da aplicação do conhecimento adquirido.
Daí o conselho de seguir em frente com o empreendimento financeiro. E só então, bem adiante, compartilhar sua experiência e suas realizações na dimensão pública. E terminava com um largo sorriso: "É claro que aqui no Brasil é tudo ao contrário. Ninguém faz a coisa na ordem certa.
Em vez de as pessoas oferecerem sua experiência para servir o país, o país é que serve às pessoas para que façam suas experiências", fulminou.
Foi com esse olhar bastante atento à enormidade do desafio que era o esforço de estabilização numa democracia emergente que acompanhei o mandato presidencial de José Sarney. Um presidente assombrado pela síndrome da ilegitimidade, que acabou recorrendo a um plano heterodoxo populista — que por sua vez desembocaria na moratória da dívida externa e no congelamento da dívida interna. Os economistas, inadvertidamente, embarcaram nesse equívoco quando se propuseram a fazer planos de estabilização que prescindissem da reforma do Estado.
A superinflação, os impostos excessivos, os juros astronômicos, a corrupção sistêmica e a desmoralização da política são manifestações da incapacidade de articulação política pela reforma do Estado. Esse é o enigma ainda não decifrado pela classe política brasileira. E o ex-presidente José Sarney é apenas um símbolo dessa incompleta transição para a Grande Sociedade Aberta.