O Estado de S. Paulo - 27/07/2009 |
Acabo de ler o instigante livro de um colega no fascinante ofício de análise da mídia: A Imprensa e o Dever da Liberdade, de Eugênio Bucci (Editora Contexto, São Paulo, 2009). Recomendo-o vivamente a todos os que se preocupam com a ética informativa, o papel da imprensa, a liberdade e as relações entre o jornalismo e o poder. Bucci afirma, com razão, que "os jornalistas e os órgãos de imprensa não têm o direito de não ser livres, não têm o direito de não demarcar a sua independência a cada pergunta que fazem, a cada passo que dão, a cada palavra que escrevem. (...) Os jornalistas devem recusar qualquer vínculo, direto ou indireto, com instituições, causas ou interesses comerciais que possa acarretar - ou dar a impressão de que venha a acarretar - a captura do modo como veem, relatam e se relacionam com os fatos e as ideias que estão encarregados de cobrir." A independência é, de fato, regra de ouro. Mas não se confunde com o mito da neutralidade jornalística. A separação radical entre fatos e interpretações simplesmente não existe. É uma bobagem. Jornalismo não é ciência exata e jornalistas não são autômatos. Além disso, não se faz bom jornalismo sem emoção. A frieza é anti-humana e, portanto, antijornalística. A neutralidade é uma mentira, mas a isenção é uma meta a ser perseguida. Todos os dias. A imprensa honesta e desengajada tem um compromisso com a verdade. E é isso que conta. Daí decorre o dever da liberdade. Mas a busca da isenção enfrenta a sabotagem da manipulação deliberada, a falta de rigor e o excesso de declarações entre aspas. O jornalista engajado é sempre um mau repórter. Militância e jornalismo não combinam. Trata-se de uma mescla talvez compreensível e legítima nos anos sombrios da ditadura, mas que, agora, tem a marca do atraso e o vestígio do fundamentalismo sectário. O militante não sabe que o importante é saber escutar. Esquece, ofuscado pela arrogância ideológica ou pela névoa do partidarismo, que as respostas são sempre mais importantes que as perguntas. A grande surpresa no jornalismo é descobrir que quase nunca uma história corresponde àquilo que imaginávamos. O bom repórter é um curioso essencial, um profissional que é pago para se surpreender. Pode haver algo mais fascinante? O jornalista ético esquadrinha a realidade, o profissional preconceituoso constrói a história. Todos os manuais de redação consagram a necessidade de ouvir os dois lados de um mesmo assunto. Trata-se de um esforço de isenção mínimo e incontornável. Mas alguns desvios transformam um princípio irretocável num jogo de cena. A apuração de faz de conta representa uma das maiores agressões à ética informativa. Matérias previamente decididas em bolsões engajados buscam a cumplicidade da imparcialidade aparente. A decisão de ouvir o outro lado não é sincera, não se apoia na busca da verdade. É um artifício. O assalto à verdade culmina com uma estratégia exemplar: a repercussão seletiva. O pluralismo de fachada convoca, então, pretensos especialistas para declararem o que o repórter quer ouvir. Personalidades entrevistadas avalizam a "seriedade" da reportagem. Mata-se o jornalismo. Cria-se a ideologia. É necessário cobrir os fatos com uma perspectiva mais profunda. Convém fugir das armadilhas do politicamente correto e do contrabando opinativo semeado pelos arautos das ideologias. Bucci, com a precisão de um cirurgião do texto, lanceta inúmeros tumores e vai ao cerne da correta relação entre imprensa e poder. "Para melhor cumprir seu papel de levar informações ao cidadão, a imprensa precisa fiscalizar o poder - e o verbo fiscalizar carrega, aqui, o sentido de vigiar, de limitar poder. Sem ela, não há como se pensar em limites para o exercício do poder na democracia. Portanto, não é saudável nem útil a imprensa que se contente com o papel de apoiar os que governam. Não é saudável, não é útil, nem mesmo imprensa ela é." Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os seus problemas. O governo Lula, no entanto, manifesta crescente insatisfação com o trabalho da imprensa. Para o presidente da República - um político que deve muito à liberdade de imprensa e de expressão -, jornalismo bom é o que fala bem. Jornalismo que apura e opina com isenção incomoda, irrita e "provoca azia". Está, na visão de Lula, a serviço da "elite brasileira". Reconheço, no entanto, que Lula não é um crítico solitário da mídia. Políticos, habitualmente, não morrem de amores pelo trabalho dos jornalistas. A simples leitura dos jornais oferece um quadro assustador do cinismo que se instalou na entranha do poder. Os criminosos, confiados nos precedentes da impunidade, já não se preocupam em apagar as suas impressões digitais. Tudo é feito às escâncaras. Quando pilhados, tratam de desqualificar a importância dos fatos. Atacam a imprensa e lançam cruzadas contra suposto prejulgamento. Mente-se com o mesmo cinismo do futebolista que nega a clamorosa evidência de um pênalti redondo. O que fazer quando o presidente da República chama senadores de pizzaiolos, faz graça com a corrupção e incinera a ética no forno do pragmatismo e da suposta governabilidade? O que fazer quando políticos se lixam para a opinião pública? Só há um caminho: informação livre e independente. Não se constrói um grande país com mentira, casuísmos e esperteza. Edifica-se uma grande nação, sim, com o respeito à lei e à ética. A transparência informativa, de que os políticos não gostam, representa o elemento essencial de renovação do Brasil. Governos passam, mesmo quando navegam em mares de votos, mas as instituições democráticas ficam |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
segunda-feira, julho 27, 2009
O dever da liberdade Carlos Alberto Di Franco
Arquivo do blog
-
▼
2009
(3759)
-
▼
julho
(384)
- Clipping de 31/07/2009
- Dora Kramer Tigre de papel
- Celso Ming-Parar pra ver
- Merval Pereira -A nova classe
- Segunda onda Fernando Gabeira
- Luiz Carlos Mendonça de Barros A mensagem do Copom
- Míriam Leitão Ordem do futuro
- EDITORIAIS-31/7/2009
- Clipping de 30/07/2009
- Celso Ming Não é mais o mesmo
- Perigo à vista para o futuro do pré-sal David Zylb...
- O orçamento da eleição permanente: Rolf Kuntz
- Editoriais
- Míriam Leitão Visão turva
- Dora Kramer Operação mãos sujas
- Merval Pereira Sem solução
- EDITORIAIS
- Clipping de 29/07/2009
- Niall Ferguson,“Chimérica” é o grande desafio
- Celso Ming,É mesmo preciso mudar?
- PAULO RABELLO DE CASTRO O novo cenário WWW
- RUY CASTRO Dependência e morte
- Los hermanos Miriam Leitão
- Merval Pereira Pouco risco
- Dora Kramer O olho do juiz
- O PAC, cada vez mais caro
- Vamos proclamar a República? Sandra Cavalcanti
- Celso Ming -Os bancos reagem à caderneta
- Clipping de 28/07/2009
- Míriam Leitão Preço da concessão
- Yoshiaki Nakano A vez dos países emergentes
- EDITORIAIS
- Dora Kramer Caminhando contra o vento
- Merval Pereira Plebiscito ou eleição?
- Rubens Barbosa,CONTRADIÇÃO INTERNA
- EDITORIAIS
- Clipping de 27/07/2009
- O problema é Chávez Igor Gielow
- O outono do patriarca Marco Antonio Villa
- O enigma PAULO GUEDES
- O dever da liberdade Carlos Alberto Di Franco
- O Brasil precisa de mais Carlos Alberto Sardenberg
- Um garoto de sucesso
- Como nunca antes na história
- E o general Golbery, afinal, não se enganou José d...
- AUGUSTO NUNES A soma que jamais deu certo
- EDITORIAIS
- Fazer a coisa certa Suely Caldas
- Melhorar é possível Dora Kramer
- MARIANO GRONDONA El peronismo, entre la lealtad y ...
- JOAQUÍN MORALES SOLÁ Un cambio de roles entre los ...
- Vasto mundo Miriam Leitão
- A gripe suína num boteco do Leblon JOÃO UBALDO RIB...
- Nem Chávez nem Fujimori Sergio Fausto
- Pupilos de Lula no divã Gaudêncio Torquato
- Sonda errada Miriam Leitão
- EDITORIAIS
- Choque e eufemismo Cesar Maia
- Moralidade, Hitler e paisagens Clóvis Rossi
- Salve-se quem (ainda) puder Dora Kramer
- VEJA Carta ao Leitor
- VEJA Entrevista Steven Marks A falha foi do Airbus
- Cidades Espírito de cacique cuida do clima para go...
- A fase nada boa do craque Romário
- Saúde A finasterida e o câncer de próstata
- Ambiente A contaminação das praias cariocas
- Ciência Os chimpanzés também morrem de aids
- Há vagas para brasileiros: nos Emirados
- A ópera-bufa de Berlusconi
- Entrevista: Avigdor Lieberman, chanceler israelense
- Itaipu A luz vai subir
- O impacto do novo corte na Selic
- O Cade multa a AmBev em 352 milhões
- Daniel Dantas: os erros e acertos do processo
- Os novos magros do Congresso
- A UNE assume a chapa-branca
- Petrobras Uma chance para aumentar a transparência
- Gripe: há motivo para pânico?
- Brasil Sarney: retrato do fisiologismo.
- Lya Luft Crime e Castigo
- MILLÔR
- Radar
- Maílson da Nóbrega Ludopédio no gramado
- Roberto Pompeu de Toledo Mártires da glória
- O cinquentenário da morte de Villa-Lobos
- Entrevista: Brüno (ex-Borat)
- O Grupo Baader Meinhof
- VEJA Recomenda
- da Veja Os mais vendidos
- AUGUSTO NUNES Quem está pagando as contas do hondu...
- Simpáticos, cordiais e canalhas Nelson Motta
- O presidente sem autocensura
- Editoriais
- Clipping de 24/07/2009
- Melhorou Celso Ming
- Fora de esquadro Dora Kramer
- Anormal profundo Panorama Econômico - Mírian Leitão
- Além dos números tradicionais Luiz Carlos Mendonça...
- CARLOS ALBERTO SARDENBERG O atraso e as pesquisas
- Juro menor pesa mais no investimento Alberto Tamer
-
▼
julho
(384)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA