Há vagas. Mas bem longe
Na hora de contratar, hotéis e restaurantes
de Dubai e Abu Dhabi fazem opção preferencial
pelo jeito amistoso dos brasileiros
Juliana Linhares
Fotos Arquivo Pessoal |
CASA E COMIDA |
Quem está na faixa dos 30 anos, é solteiro, ainda não engrenou carreira, transita na área de turismo e hotelaria e nunca assistiu à novela Caminho das Índias talvez não saiba, mas existe um nicho no mercado de trabalho cheinho de vagas. Vantagens: dá casa, comida e bom salário. Desvantagem: fica a 12 000 quilômetros de distância em local de usos e costumes que são em tudo o oposto dos brasileiros. Em Dubai e Abu Dhabi, dois integrantes dos Emirados Árabes Unidos, hotéis e restaurantes buscam brasileiros e brasileiras para trabalhar em funções de recepcionista, garçom, sommelier, músico de samba e segurança. Em troca, oferecem salário de 1 000 a 2 000 dólares (que podem dobrar com as gorjetas), plano de saúde, moradia em apartamento mobiliado, com aluguel, água e luz, condução fretada e todas as refeições no local de trabalho. Desde 2007, pelo menos 100 brasileiros foram contratados por hotéis de Dubai (o total de brasileiros nos Emirados chega a 718) e existem mais 400 vagas abertas a interessados. Por que buscar mão de obra tão longe? Os Emirados, ricos em petróleo e pobres em gente, e menos ainda da categoria disposta a dar duro, são coalhados de estrangeiros. Em Dubai, 90% da população é formada por pessoas de outros países. São elas que fazem tudo, numa conhecida divisão de trabalho: os cargos de gerência e administração são ocupados por europeus, principalmente ingleses; os operários da enorme indústria da construção civil vêm de todos os países mais pobres da Ásia (assim como os motoristas de táxi são paquistaneses e as prostitutas, russas de ex-repúblicas soviéticas). Os brasileiros se encaixam num patamar médio do setor de serviços hoteleiros por serem considerados simpáticos, sorridentes e pouco dispostos a arranjar confusão. "O maior apelo do brasileiro é ser amigável. Nos hotéis em Dubai, os hóspedes são chamados pelo nome. O jeito risonho e amável do brasileiro se encaixa bem. Além disso, ainda aceitamos salários que não são altíssimos", explica Marcelo Toledo, diretor de uma agência de empregos que se especializou em levar brasileiros para Dubai.
"No que se refere a trabalho, aqui é o topo do mundo. Estamos a serviço do que há de mais luxuoso no planeta e de certa forma também desfrutamos esse conforto", diz a paulistana Cristina Piereck, 33 anos, que trabalhou como sommelière durante onze meses em um hotel de Dubai e se transferiu para um restaurante no vizinho emirado de Abu Dhabi. A contrapartida é ter de se adaptar aos costumes ultraconservadores e à alta tensão cultural num ambiente em que, nos extremos, estrangeiros consideram os locais preguiçosos e atrasados e são por estes considerados aproveitadores depravados. "As leis são duríssimas. Quase tudo é proibido. Beijo em público não pode. Beber fora dos hotéis também não", conta Cristina. Consumidora de bebidas até por profissão, ela precisou conseguir uma carteirinha, com chip-limite de 150 dólares por mês, para beber fora do horário de trabalho. "Como uma cerveja custa 8 dólares, meu consumo é bem pequeno", relata. Tudo fica ainda mais difícil no Ramadã, período de um mês em que o mundo islâmico se dedica às orações e ao jejum durante o dia: "Nós não podemos comer nem beber água na frente de ninguém". Toledo diz que, embora o salário inicial não seja muito alto e as regras primem pela rigidez, há boas e rápidas oportunidades de promoção. "É preciso assinar um contrato de trabalho de dois anos. Eles pagam a passagem de ida e de volta ao Brasil depois de dois anos e, em seguida, uma vez por ano. Mas se o contrato é quebrado o funcionário tem de reembolsar as passagens. Além disso, perde o visto de permanência no país. O mesmo acontece se ele for trabalhar embriagado ou drogado", enumera. As exigências dos contratadores incluem cláusulas escandalosamente discriminatórias. "O homossexualismo fere a legislação local. Recentemente, dois gays que estavam namorando na praia foram presos e deportados", diz Toledo. É proibido contratar judeus (que também não se candidatam a morar num país árabe) porque, na convoluta explicação de Toledo, "os Emirados não têm relações diplomáticas com Israel". Negros também não são bem-vindos – "Eles já contratam muita gente da África e Índia e gostam de diversificar o leque de nacionalidades e aparências", escorrega Toledo.
Apesar da longa lista de exigências e proibições, o paulistano Alex Cale, 30, há dois anos gerente do único restaurante brasileiro nos Emirados, a churrascaria Chamas, em Abu Dhabi, tem boas impressões. "A violência é zero. No calor, quando os termômetros chegam a 50 graus, ligo o ar-condicionado do carro e o deixo destrancado, gelando, por uns dez minutos. Quando volto, ninguém tocou em nada", conta. Cale mora num apartamento de 65 metros quadrados com mulher e filha, oferecido pela churrascaria, e em breve o patrão começará a pagar a escola da menina. "Os costumes são severos, mas é só usar o bom senso e respeitá-los que dá para viver muito bem aqui", afirma. Em Dubai há quatro meses, o segurança de boate Vinicius Zonaro, de Jundiaí, no interior de São Paulo, ainda se espanta com as contradições: "Não se pode beber na rua, mas nos hotéis os turistas enchem a cara. Não se pode namorar, mas as boates estão todas lotadas de prostitutas, principalmente russas". A recepcionista Bruna Miranda, 26, que saiu de São José do Rio Preto, em São Paulo, há um ano para trabalhar em um hotel em Dubai, tem visão mais pragmática da situação. "O governo está investindo tudo em turismo. Então, eles fecham os olhos para o que os visitantes fazem. Aqui, tudo não pode, mas tudo termina podendo. E em excesso. Como, aliás, tudo em Dubai", diz Bruna. No próximo mês, uma rede de hotéis mandará representante ao Brasil para selecionar funcionários para um total de 400 vagas. Por enquanto, há cinquenta interessados.