O GLOBO
Com pequenas variações de tons e ênfases, com abordagens mais inteligentes ou mais simplórias, as desculpas são sempre as mesmas: todo mundo faz. A principal defesa dos cada vez mais raros apoiadores do presidente do Senado é acusar os acusadores, colocando todos como farinha do mesmo saco. E como muitas vezes são mesmo, essa estratégia vai protelando o fim da crise, ou montando uma solução que livre todos igualmente.
O senador José Sarney já deu a dica: se cometi crime ao nomear parentes, todos cometeram.
Foi o que o próprio Lula fez no mensalão, quando lançou a tese, engendrada por seu ministro da Justiça da ocasião, o criminalista Márcio Thomaz Bastos, de que se tratava de caixa dois de campanha eleitoral, "o que é feito sistematicamente no Brasil".
Desde então, a defesa das irregularidades tornou-se a marca registrada do jeito Lula de organizar coalizões partidárias.
O caso é grave a ponto de abranger de um extremo a outro o espectro demográfico do Senado. Tome-se por exemplo o neófito senador sem votos Wellington Salgado, de 51 anos.
Sem história política que sustente suas opiniões, ele tem a coragem de aparecer na televisão para defender a tese de que sempre houve "ocupação de espaço" por parte dos políticos, com nomeações de parentes e amigos.
O senador, que não se dá ao respeito a ponto de receber dos colegas a alcunha de "Cabeleira", de uma família proprietária de uma universidade, deveria ser, teoricamente, um educador, mas sua visão da vida pública absorve como naturais essas "colocações", que era como antigamente se apelidava o empreguismo.
No outro extremo, o senador duplamente sem voto Paulo Duque, segundo suplente do governador do Rio, Sérgio Cabral, continua a defender a efetividade do empreguismo como arma política, aos 81 anos de idade e 60 de vida pública.
Assim como Sarney, nas palavras premonitórias do senador Jarbas Vasconcellos, transformou o Senado em um imenso Maranhão, o senador Paulo Duque transformou seu mandato em uma representação do que há de mais retrógrado na política brasileira. Ele tem a dimensão de um vereador de província e lida com questões nacionais à frente do Conselho de Ética, uma piada de mau gosto pregada na cidadania por Renan Calheiros, outro exemplar da tropa de choque do PMDB.
Não é à toa que volta e meia flagra-se o olhar embevecido do hoje senador Fernando Collor a admirar a performance palanqueira do presidente Lula.
O reencontro recente desses dois políticos que já se confrontaram em situações diferentes vinte anos atrás fala bem da involução da política brasileira.
Audacioso a ponto de ter chegado ao Palácio do Planalto a bordo de uma aventura política que poucos tentariam, Collor não teve coragem de enfrentar seus algozes no Congresso, como Lula hoje enfrenta seus opositores, sem nenhum tipo de escrúpulo.
É bem verdade que, naquela época, atiçados pelo PT e sob a liderança de Lula, os estudantes foram para as ruas do país, e a totalidade dos movimentos sociais se mobilizou para exigir a saída de Collor.
Hoje, se mobilização houver, será a favor de qualquer tramoia que o governo patrocine, até mesmo a favor dos caciques do PMDB de "moral homogênea", na definição de Márcio Moreira Alves.
Essa ousadia, essa falta de escrúpulos, essa manipulação do povo humilde, resumem o que Collor tentou fazer e não conseguiu no plano de poder político.
O grito de "não me deixem só" foi o precursor das atuações performáticas de Lula nos palanques da vida.
As acusações de corrupção, que levaram Collor ao nocaute político mas não foram suficientes para condenálo por um misto de incompetência dos advogados de acusação e um acordo político tácito, hoje são enfrentadas pelo governo Lula e seus aliados com a naturalidade dos que consideram as falcatruas políticas parte integrante do jogo democrático.
Se tivesse tido a audácia de assumir seus atos como naturais quando esteve sob o fogo cruzado da imprensa e do Congresso, Collor poderia ter resistido no cargo, assim como Lula resistiu quando o mensalão devastou o primeiro escalão de seu governo e respingou nele, a ponto de ameaçar momentaneamente sua reeleição.
É claro que Lula tinha o PT e os movimentos sociais a seu favor, e já montava o que seria o grande alavancador de sua estratégia eleitoral, o Bolsa Família. Mas Collor sabia na ocasião que grande parte daqueles que votaram pela sua cassação não tinha condições morais de acusá-lo.
Nem mesmo o irmão Pedro, que detonou todo o processo, o fez por razões altruístas, mas apenas porque lhe negaram um pedaço maior do butim.
O que Collor não sabia, e sabe agora, é que é preciso dar espaço para incluir o maior número possível de políticos, sejam de que tendência política forem, em seus projetos de poder.
Dividir o bolo, permitir que todos se locupletem, enquanto finge-se que se quer instaurar a moralidade.
É o que está em marcha no Senado nos dias atuais.
Monta-se nos bastidores uma guerra de processos na Comissão de Ética que tem por finalidade neutralizar qualquer acusação.
Caminha-se para uma aparente solução, a renúncia do senador José Sarney da presidência do Senado, a eleição de um outro senador da base do governo, de preferência do PMDB, para o cargo, e um recomeço de atividades com a pedra zerada.
Tudo indica que o máximo que se conseguirá no momento é isso, com o compromisso do novo presidente de comandar uma reforma que impedirá que aconteçam os desmandos que até agora dominam o dia a dia do Senado.
Difícil é acreditar que um presidente saído de um acordo promíscuo como esse consiga avançar na moralização dos costumes do Senado.