O GLOBO
Tudo o que foi divulgado até agora sobre a nova regulação do petróleo mostra que o governo pegou a sonda errada. A decisão de conceder à Petrobras o direito de ser a operadora única do pré-sal e ser uma sócia obrigatória nas áreas estratégicas transfere renda de toda a sociedade brasileira para os acionistas da Petrobras, em grande parte, acionistas privados. Tira de todos, para alguns.
A Petrobras é controlada pela União, mas tem sócios privados. O governo finge não saber disso e tem a tendência de dar a ela o que é público. Quando faz isso, está arbitrariamente beneficiando particulares. O monopólio é da União e não da empresa.
Os atuais administradores do país esqueceram que essa diferença fundamental está na Constituição.
Com mais de um ano de atraso, e perigosamente perto da campanha na qual pode vir a concorrer para presidente, a ministra Dilma Rousseff vai entregar em agosto o marco regulatório do petróleo que cria uma nova estatal; dá privilégios à Petrobras; e retira visibilidade do sistema de escolha dos exploradores das áreas.
No pré-sal e áreas onde há mais chance de haver petróleo, as áreas estratégicas, o governo não usará o atual sistema de leilão de concessão, que tem a vantagem de ser aberto, com lances públicos e escolha pelo maior valor. O sistema passará a ser escolha, e a exploração será pelo regime de partilha, com a empresa entregando parte desse petróleo para a nova estatal.
Será criada, portanto, nova estatal, que vai ter função de vender petróleo e conceder áreas sem licitação. O primeiro risco é o óbvio. As estatais, órgãos públicos, bancos públicos, transformaramse em cabides de emprego, e terreno para que os políticos instalem seus indicados. O país não pode correr esse risco na nova empresa. Já chega o que tem acontecido com a Petrobras.
A escolha técnica, de funcionário de carreira, de pessoa que venceu na empresa pelo mérito — em vez de ser pela atuação sindical — não garante tudo. Mas é uma esperança de gestão mais racional e cuidadosa.
Esse sentimento é compartilhado por funcionários da empresa, que também estão cansados de tanta interferência político-partidária que a Petrobras tem sofrido na atual gestão.
Imagina o que será uma nova empresa, criada do zero, no meio de um ano eleitoral, por um partido político que demonstrou nos últimos anos não saber separar o que é interesse público do que é objetivo partidário; grupo que levou ao paroxismo o velho vício do apadrinhamento político, inchaço da máquina, favorecimento e tráfico de influências.
É preciso ser um marciano para não ter informações sobre os abusos divulgados diariamente.
As reportagens publicadas em todos os jornais esta semana mostram que o governo tende a dar à Petrobras o poder de ficar com as melhores áreas sem licitação, e ser a sócia de toda a exploração em áreas estratégicas.
Essa sociedade obrigatória com a Petrobras é ruim para todos os sócios. A estatal é a escolha preferencial de qualquer investidor que venha para o Brasil ou já esteja aqui, como mostraram os consórcios formados em outras rodadas de licitação. E isso pelo conhecimento que ela tem do Brasil, pelo domínio que tem de exploração em águas profundas e porque é a empresa monopolista em vários segmentos do petróleo no Brasil.
O que uma boa regulação deveria fazer é forçar os grupos a se formarem sem a Petrobras, para começar a construir um mercado competitivo no país. Esse casamento forçado é cômodo para todos os investidores, é confortável para a Petrobras, mas ruim para o mercado de petróleo que eternizará o monopólio.
O novo modelo tem também o problema apontado pelo governador do Rio, Sérgio Cabral. Pode significar uma expropriação dos estados produtores. Na produção atual, os prejudicados seriam principalmente Rio e Espírito Santo; na exploração do pré-sal, outro prejudicado seria São Paulo.
O Rio perde mais. Perde pelos motivos levantados pelo governador do estado que produz 80% do petróleo extraído no Brasil. O sistema de ICMS estabelece que o imposto se paga no estado de origem. Exceto em petróleo e energia elétrica. Essa injustiça se corrigiu através dos royalties e participação especial.
O novo sistema não pagará a participação especial aos estados e municípios.
Parte dos royalties é pago ao governo federal, e desta forma a riqueza do petróleo vai para todo o país.
A ministra Dilma Rousseff pediu calma ao governador Sérgio Cabral, aliado íntimo do atual governo. Ao distinto público, disse que os comentários devem ser feitos quando a proposta for divulgada. É o próprio governo que tem divulgado pedaços das suas ideias. E esses pedaços formam, até agora, um frankenstein.
O monstro que está sendo costurado é estatista, cria nova empresa sem blindá-la contra o assalto dos políticos; dá poderes extraordinários e ativos a uma empresa que tem sócios privados; transfere para uma estatal poder de regulação que hoje cabe à Agência Nacional de Petróleo (ANP); cria uma sistema de "escolha" de investidores, em vez da disputa pública e transparente que existe hoje; e federaliza receitas estaduais. Por ter demorado tanto a sair, a proposta virá com a impagável marca da disputa eleitoral. O que a torna ainda pior.
Com Alvaro Gribel
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