entrevista a O Estado de S. Paulo, 29/07/09
Niall Ferguson: professor da Universidade Harvard; Para historiador, crise expôs 'casamento problemático' entre chineses poupadores e americanos gastadores
Nathan Gardels, GLOBAL VIEWPOINT
Apesar de todos os problemas, o principal desafio do presidente americano, Barack Obama, é corrigir o desequilíbrio com a China. Para Niall Fergunson, professor de história da Universidade Harvard e de gestão de negócios da Harvard Business School, foi a estratégia adotada pela China de acumular reservas em dólar que financiou o endividamento dos EUA.
Agora que a era de endividamentos acabou, qual é a chave para manter a parceria entre o grande poupador e o grande dissipador?
Meu amigo Moritz Schularick e eu propusemos no fim de 2006 essa ideia da "Chimérica". Tentávamos explicar o boom financeiro global. Decidimos que a resposta era China e América (EUA) se fundirem e se tornarem uma economia única, criando a Chimérica. Os chineses poupariam e os americanos gastariam. Os chineses exportariam e os americanos importariam. Os chineses fariam empréstimos e os americanos tomariam emprestado. Como a estratégia chinesa se baseou no crescimento conduzido pelas exportações, os chineses não queriam ver sua moeda se valorizar frente ao dólar. E interferiram nos mercados cambiais. Como resultado, possuem hoje reservas internacionais que totalizam US$ 2,1 trilhões. Cerca de 70% são valores mobiliários em dólar e grande parte deles são títulos do governo americano. O efeito inesperado disso foi ajudar a financiar o déficit de conta corrente dos EUA. Sem isso, é difícil acreditar que os mercados financeiros dos EUA teriam chegado à bolha observada entre 2002 e 2007. Hoje a grande questão é se essa Chimérica é, ou não, um casamento problemático. A crise financeira pôs fim à era dos endividamentos. Os consumidores americanos, com enormes dívidas, não podem mais pedir emprestado. A taxa de poupança está subindo e as importações americanas declinaram. Os dados comerciais chineses mostram a mesma coisa: as exportações despencaram. Isso não significa que os chineses deverão parar de adquirir dólares. Mas eles não deixarão que a sua moeda se valorize quando tantos empregos no setor exportador estão ameaçados.
O governo Obama quer tomar bilhões emprestado dos chineses para financiar pacotes de estímulo. E se os chineses não comprarem os títulos do Tesouro?
A China detém títulos do Tesouro americano que em maio atingiam US$ 801,5 bilhões, alta de 5% em relação a abril. Digamos que o aumento foi de US$ 40 bilhões em um mês. Imaginemos que os chineses forneçam esses empréstimos cada mês neste ano fiscal. Seria uma linha de crédito de US$ 480 bilhões. Considerando que o déficit total previsto é de cerca de US$ 2 trilhões, isso significa que os chineses podem financiar menos de um quarto do valor, enquanto que há alguns anos, estavam financiando praticamente todo o déficit. O problema é que a China percebeu que detém títulos suficientes do governo dos EUA. Sua grande aflição é que a política fiscal um tanto indulgente do governo Obama pode provocar a queda dos títulos americanos e/ou a redução do poder de compra do dólar. Em qualquer dos casos os chineses perdem.