DA VEJA
Não há motivo para tanto alarme
A gripe suína preocupa milhões de brasileiros, mas ela mata muito menos que
a gripe comum, e nada indica que o vírus transmissor ficará mais agressivo
Naiara Magalhães e Renata Moraes
João Paulo Engelbrecht/AFP |
DE OLHO NO VILÃO Hospital Lourenço Jorge, no Rio de Janeiro: ala especial para receber pacientes com suspeita de gripe suína |
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Uma onda de medo se espalhou entre os brasileiros nas últimas semanas, à medida que a gripe suína começou a fazer vítimas fatais no país. Até a sexta-feira passada, 33 mortes foram associadas à infecção pelo vírus H1N1, responsável pela transmissão dessa nova cepa gripal, em quatro estados – São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul. Somadas à notícia de que, desde abril, a gripe suína já se espalhou por 160 países e matou 800 pessoas, tais mortes semearam um terreno fértil para imaginar que sair às ruas ou permanecer com outras pessoas em locais fechados se tornou um perigo. Muitas escolas paulistas e fluminenses iniciaram as férias mais cedo. No Rio Grande do Sul, prefeituras suspenderam a realização de festas populares. A arquidiocese de São Paulo recomendou aos padres que, durante as missas, tomem uma série de precauções, tais como pular a parte em que os fiéis rezam de mãos dadas. Hospitais montaram alas específicas para receber pacientes com suspeita de gripe suína. Até pela leitura dos jornais se tem a impressão de que o Brasil estaria à beira de uma epidemia de gripe suína capaz de ceifar milhares de vidas.
É lamentável, obviamente, que a nova gripe tenha feito vítimas fatais, e tomar medidas preventivas contra ela é uma atitude de bom senso, principalmente por parte do poder público. Há evidências, no entanto, de que não é preciso ficar alarmado com a doença, como se ela fosse uma peste da Idade Média. A gripe comum é bem mais letal do que ela. Para se ter uma ideia, no mesmo período de trinta dias, entre junho e julho, em que a gripe suína matou 33 pessoas no país, 4 500 pessoas morreram no ano passado em consequência da gripe sazonal. "A gripe suína tem se mostrado de baixa letalidade", diz o infectologista Mauro Salles, da Fundação Oswaldo Cruz. Como a transmissão do H1N1 é mais fácil do que a do vírus da gripe comum, os especialistas acreditam ser provável que muitas pessoas que ficaram gripadas recentemente tenham contraído a cepa suína sem nem sequer se dar conta da contaminação. Recuperaram-se em casa, como fazem no caso de uma gripe comum. A principal preocupação dos médicos com relação ao H1N1 é que, ao contrário das gripes sazonais, que praticamente só matam idosos, crianças ou pessoas debilitadas por outras enfermidades, a nova gripe é mais letal em jovens e adultos, alguns sem problemas de saúde anteriores.
Por enquanto, nada indica que o H1N1 assumirá as características de um vírus capaz de matar em larga escala. A probabilidade maior é que se enfraqueça. Foi o que ocorreu com o vírus da gripe espanhola, que, entre 1918 e 1919, ceifou 50 milhões de vidas no mundo. A variante de sua cepa é, hoje, um dos vírus mais fracos em circulação. Ao se tornar de fácil contágio entre seres humanos, ele sofreu mutações que o deixaram menos letal e mais infeccioso. Trata-se de uma estratégia de sobrevivência, já que os vírus que provocam gripes duram apenas alguns dias no ambiente – dependem, portanto, de seus hospedeiros para continuar a se disseminar. O temido ebola, ao contrário, é um exemplo de "vírus burro". Mata os seres humanos em pouquíssimo tempo – e, ao morrer com eles, inviabiliza a sua transmissão em larga escala. O ebola só se propaga em animais, porque não os mata.
A nova gripe não é um monstro indomável, mas também não é o caso de promover "festas da gripe suína", a exemplo do que ingleses e americanos vêm fazendo. Nesses eventos, convidam-se pessoas infectadas pelo H1N1 para que os demais convidados se exponham a ele. Seus organizadores acreditam que é melhor se contaminar com o vírus agora, enquanto ainda é pouco letal, para proteger-se de eventuais mutações que o tornem mais perigoso. É uma bobagem, visto que é ínfima a probabilidade de o H1N1 adquirir maior virulência. "Ao facilitarem a transmissão do vírus, essas pessoas podem até favorecer que ele se torne mais agressivo", diz o infectologista Artur Timerman. Vacinas para a nova gripe já estão sendo testadas em humanos por dois laboratórios na Austrália. Um deles planeja ter a vacina pronta em setembro. Se apresentar resultados satisfatórios, a imunização poderá ser iniciada antes de dezembro, quando começa no Hemisfério Norte o inverno, período em que as gripes se disseminam mais facilmente. No Brasil, a vacina seria utilizada a partir do próximo inverno. Até lá, repita-se, é prudente ter cuidado com a gripe suína, mas não há necessidade de alterar hábitos, muito menos de entrar em pânico por causa dela.
Com reportagem de Igor Paulin