O GLOBO
Bastou voltar a respirar os ares da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, para o ex-ministro Mangabeira Unger voltar a ter os delírios personalistas que o fazem, na definição de Caetano Veloso, ser um "aventureiro do bem", mas que pode ser confundido com um puro arrivismo político em busca de espaço para suas experimentações pessoais. O que não impede que alguns de seus diagnósticos sejam corretos.
Ele saiu do Ministério com "uma visão da mediocridade da vida pública nacional, políticos que não merecem a confiança do povo brasileiro, o Estado que pouco funciona, a política misturada com dinheiro, o discurso político inconsequente", mas convencido de que, "apesar de tudo isso, o Brasil já é um país de primeira ordem".
Além de continuar a colaborar com o presidente Lula na formulação de um Projeto do Futuro, com o qual ele "coroaria o seu governo como uma ponte na transição do cargo", ele pretende levar adiante seu engajamento com o Brasil: "É a coisa mais importante para mim".
Longe de uma coerência partidária, em busca de mais espaço para sua atuação, ele diz que pretende "avaliar o melhor instrumento político para continuar". E é assim, como instrumentos para colocar em prática seus projetos, que ele analisa os principais contendores na sucessão de Lula:
"Conheço a Dilma Rousseff há quase 30 anos, ela era do PDT, ligada a meu amigo Brizola, foi ela quem me procurou há muitos anos e realizou vários debates programáticos meus. Sinto que a intuição dela, a inteligência dela, caminha nesse sentido. Tenho grande afeição por ela".
Diz que conhece José Serra menos - "porém respeito também" - e continua tendo "uma relação muito próxima com o Ciro Gomes", e por isso vai considerar todas as opções.
Mangabeira pretende também "reavaliar" a permanência no PRB, partido do bispo Macedo, da Igreja Universal, partido criado por uma manobra do presidente Lula para se aproximar dos evangélicos através do vice José Alencar, e que um dia Mangabeira definiu como "uma conspiração de dentro do sistema para derrubá-lo através do próprio vice, que seria o candidato à Presidência do novo partido, contra Lula e sua política econômica".
Não passava de uma alucinação política, que acabou levando Mangabeira ao governo do homem que um dia considerou "o mais corrupto da nossa história nacional".
A experiência que viveu nestes dois anos ele considera "como um sonho", onde foi tudo improvável: "Improvável que o presidente me convidaria, a mim, que fui um crítico contundente do primeiro governo dele, improvável no desdobramento, a minha pasta não tinha recursos orçamentários, eu não tinha o que oferecer".
Ele agora está "determinado a não cometer o erro do filósofo em política, que é procurar um outro para fazer o serviço". "O que não quer dizer que pretenda ser candidato, mas que pretendo atuar na minha própria voz, e não atuar apenas como assessor ou conselheiro".
Segundo ele, a experiência básica "foi incrivelmente energizante" e ele confirmou a impressão de que "nossa vida pública é de terceira ordem, não presta para o povo brasileiro, mas o Brasil já é um país de primeira ordem".
Nas suas viagens, ele diz que sentiu que o Brasil é "um caldeirão de energia, tem toda a vitalidade dos Estados Unidos sem os antagonismos e intolerâncias que maculam a vida americana, e tem tudo para desempenhar um papel singular na história da Humanidade".
Nosso grande problema, no seu diagnóstico, é que "não nos organizamos para instrumentalizar essa energia toda". Ele diz que "muita coisa já deu certo e podemos aproveitar, como a inventividade tecnológica popular e o empreendedorismo emergente, as duas forças constitutivas do Nordeste".
Uma constatação empírica é que "o acontecimento social mais importante no Brasil no último meio século é o surgimento, ao lado da classe média tradicional, de uma segunda classe média, que é composta por milhões de pessoas que lutam para abrir pequenos negócios, que estudam à noite, que também se filiam a novos clubes e a novas igrejas".
Mas o mais importante, diz ele, é que vigora no país "uma cultura de auto-ajuda e de iniciativa que já domina o imaginário popular". Segundo sua visão, Getulio Vargas promoveu uma revolução no século passado aliando o Estado aos setores organizados da sociedade e da economia.
Hoje, a revolução brasileira seria o Estado usar seus recursos "para permitir à maioria seguir o caminho da nova vanguarda de batalhadores e emergentes, mas para isso não basta fazer obras, não basta realocar recursos, é preciso renovar nossas instituições".
Mangabeira diz que é preciso "reinventar de forma contemporânea a ideia de um projeto nacional e a prática do planejamento de longo prazo, sem nenhum laivo de autoritarismo e guiado por um espírito experimentalista, como convém ao povo brasileiro".
Afirma que sai do governo "inconformado com essa tragédia de o país ter tanta energia e tão pouco ser dado ao povo brasileiro". "Eu me sinto oprimido pela sensação das mazelas da nossa vida pública imprestável para este objetivo".
Fora do Sudeste, ele constatou que "o Brasil começa a fervilhar". O que ele não gostaria é de que ocorresse "o embate entre gente que proponha administrar o Estado de forma mais eficiente e gente que propõe fazer obras", numa crítica indireta tanto a Dilma como a Serra. Como se se colocasse como alternativa, mesmo que improvável.
Entrevista:O Estado inteligente
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