O Globo
O presidente Lula vai adaptando sua retórica sobre a crise econômica à medida que seus efeitos vão se fazendo sentir. Logo que eclodiu, mandou perguntar "ao Bush" que crise era essa, e garantiu que, se "cruzasse o Atlântico", ela seria uma simples "marolinha" no Brasil. Em janeiro, Lula criticou os prefeitos que haviam assumido com a decisão de cortar custos, e chegou a aconselhar que gastassem suas verbas em investimentos: "Podem cortar custeio, mas não investimentos", ensinou o presidente, enquanto descansava em Fernando de Noronha. Ontem, afinal, admitiu que todos precisarão "apertar o cinto".
A diferença entre o que o presidente fala e sua prática, mais uma vez, fica evidente.
O total investido pelos três níveis de governo no ano passado ficou em torno de R$ 67 bilhões. Mas apenas 21% foram executados pela União.
O total de obras realizadas, e de equipamentos comprados pelos municípios, foi mais que o dobro do que o feito pelo governo federal.
Dados oficiais mostram que os estados fazem o dever de casa, ao contrário da União.
Como nunca antes na história, o superávit primário dos estados é igual ao da União, apesar de a receita deles ser mais de 60% inferior à federal.
Desde que a Lei de Responsabilidade Fiscal foi editada, em 2000, nunca o governo federal teve um superávit primário no primeiro bimestre do ano igual ao dos estados, e nunca foi tão baixo. Ano passado era de 4,7% do PIB e este ano foi de 1,2%.
Os estados e municípios tiveram uma deterioração de suas receitas, assim como o governo federal, mas mantiveram o equilíbrio das contas no primeiro bimestre do ano.
E a tendência é que os estados façam um superávit maior do que o do governo federal no resto do ano.
O resultado dos estados foi 1,21% do PIB, uma queda de 15% em relação ao ano anterior, e os municípios tiveram um déficit pequeno, de 0,02%.
A queda dos resultados é compatível com a da arrecadação.
Ao mesmo tempo, o governo federal teve uma queda brutal do superávit primário, de 74%, mas, ao contrário da oratória oficial, o que explica essa queda é muito mais o aumento de despesa do que a queda da receita.
Como nunca antes na história pós-LRFs, os municípios estão sofrendo mais, ou na frente, porque dependem muito mais do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) do que os estados dependem do Fundo de Participação dos Estados (FPE), e os repasses desses fundos estão caindo mais que as demais receitas estaduais e federais.
Além da contradição explícita, há o fato implícito de que, como ressalta José Roberto Afonso, especialista em contas públicas e um dos "pais" da Lei de Responsabilidade Fiscal, o único governo que está aumentando gastos, e o de pior qualidade para enfrentar a crise (custeio em vez de investimento), é o governo federal.
O investimento explica apenas 1% da deterioração do resultado do governo federal.
Na verdade, o resultado do governo piorou porque passou a gastar mais com gastos permanentes, como aumento dos salários de funcionalismo público, aposentadoria, Bolsa Família.
Para José Roberto Afonso, no caso das prefeituras, a opção de permitir mais dívidas, que o governo está sinalizando como solução, não resolve o problema das cidades que dependem de Fundo de Participação dos Municípios, pois elas não têm capacidade de elaborar um projeto e sequer conseguem entrar na agência bancária.
Salvo uma ou outra exceção, nenhum estado ou município consegue empréstimos, porque há uma restrição do Conselho Monetário Nacional que na prática fechou o acesso deles a esses recursos.
Além do mais, estados e capitais têm que pagar a rolagem da dívida, que tem juros fixos na média superiores à caderneta de poupança. Por si só, isso garante o superávit primário. Hoje eles estão submetidos a um acordo de pagamento de suas dívidas que Afonso classifica de "draconiano", enquanto o governo federal pode escapar da Lei de Responsabilidade Fiscal, pois é o único nível de governo que não está submetido a ela.
A rolagem da dívida, cujas regras os governadores estão querendo alterar, não tem nada a ver com responsabilidade fiscal. Os termos "draconianos" do pagamento não têm mais nada a ver com a situação econômica do país no momento, ressalta José Roberto Afonso, lembrando que os juros vão de 6% a 9%, mais a taxa do IGP, o que faz com que os estados paguem mais ao governo do que a caderneta de poupança.
Na opinião de José Roberto Afonso, a solução para os pequenos municípios deveria ser uma transferência extraordinária e temporária do governo federal para o Fundo de Participação dos Municípios.
E, para os estados e grandes capitais, transformar parte do pagamento das dívidas em reinvestimento do governo federal em obras locais.
O que está por trás dessa disputa entre governo federal e estados e municípios é definir quem vai ficar com o espaço fiscal que surgirá pela redução do superávit primário, cuja meta, fica a cada dia mais claro, o governo federal não vai cumprir, embora não admita publicamente — e foi ele que se aproveitou da situação até agora.
Se não mudar a rolagem da dívida dos estados, se não mudar o critério das transferências de impostos para estados e municípios, o governo federal vai ocupar todo esse espaço e ainda vai exigir mais sacrifício dos governadores e prefeitos, alerta o economista José Roberto Afonso.
Não foi à toa, portanto, que ontem o plenário do Senado assistiu a uma série de discursos defendendo uma reforma do pacto federativo.
Na coluna de ontem, por um lapso, coloquei o estado do Espírito Santo na Região Nordeste, quando na verdade queria dizer que ele estava incluído na região de abrangência da Sudene.
Também deixei de escrever o nome do governador da Paraíba, José Maranhão, o que prejudicou o entendimento da frase em que o citava como de difícil aceitação pelos tucanos, por ter substituído Cássio Cunha Lima, cassado por abuso de poder econômico.
E-mail para esta coluna: merval@oglobo.com.br
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