Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, março 20, 2009

A hora da austeridade Luiz Garcia


O Globo - 20/03/2009

O que deve fazer um senador da República, quando é apanhado supostamente fazendo o que não deve?

Depende da República. Em alguns países, ele tem uma simples opção: prova que não fez ou se submete, humildemente, às penas cabíveis.

No Brasil não é bem assim, O senador petista Tião Viana, em janeiro, emprestou um celular pago com o nosso dinheiro para uma filha que ia passear no México.

Quando a generosidade paternal foi revelada, saiu por uma frágil tangente: alegou que a moça prometera não fazer qualquer ligação e prometeu pagar qualquer gasto que fosse cobrado ao Senado. É curioso: parece que Tião não teve sequer a curiosidade de perguntar à filha se usara ou não o bendito telefone.

Certamente esse é um escândalo de ridícula importância, mas é sintoma de um comportamento nada incomum no Congresso: o da falta de respeito pelo dinheiro público.

Outro exemplo do gênero é o da cota de passagens. Cada senador tem direito a até sete passagens aéreas de avião por mês, para viajar entre Brasília e seu estado. Outro dia, foi denunciado que a senadora Roseana Sarney usava essas passagens para viagens de parente, amigos e aliados à capital.

No plenário, a acusação foi recebida com indiferença: a maioria dos senadores admitiu, com absoluta naturalidade, que esse abuso é comum e considerado inofensivo.

Acontece que o Ministério Público abriu inquérito sobre a denúncia contra Roseana. É desejável e talvez possível que a investigação esclareça por que senadores que moram no Distrito Federal também têm direito à cota de passagens.

O caso tem seu lado de briguinha interna. Tião Viana é adversário do presidente da Casa, José Sarney, com quem disputou o cargo. Ainda assim, e pelo menos por um lado, é uma briga saudável: tem servido para revelar um estilo de administração financeira e de pessoal - que vem de longe - realmente embasbacante.

São quase dez mil servidores, sob o comando de um batalhão de diretores. Estes, ninguém parece saber direito quantos são: no começo da semana, o número oficial era de 136 diretores. Quarta-feira, pulou para 181. Os dois números são absurdos - mas parece mais absurda ainda é a falta de informações oficiais precisas sobre a dimensão do problema. As áreas de ação do batalhão de diretores reforçam a impressão de bagunça: um diretor "coordena visitação"; outro, cuida da "formação da comunidade". E todos ganham muito bom dinheiro.

Depois da enxurrada de denúncias a respeito, o presidente Sarney prometeu limpeza e reestruturação de alto a baixo. Tem direito a um crédito de confiança, mas é pelo menos curioso que o presidente do Senado conheça tão superficialmente a estrutura que comanda. Foi necessária a gritaria para que começasse a se incomodar com o batalhão de diretores sob o seu comando?

O episódio menor do celular de Tião Viana e o escândalo da desordem administrativa compõem um quadro triste e que pouco tem de novidade: é aquele em que o zelo pela austeridade só aparece como reação a chuvas de denúncias.

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