A começar, por exemplo, com as tão propaladas reformas política e tributária. O País vive uma crise crônica porque a natureza de sua política é incompatível com um modelo racional de Estado e uma gestão moderna de democracia. Em consequência, vive-se uma situação de precária governabilidade, agravada por tensões entre instituições. Há consenso sobre o diagnóstico. Entre as ações prementes, precisamos reformar o sistema político-eleitoral; modernizar a estrutura do Estado, a partir de limites sobre competências entre Poderes e redefinição de atribuições entre entes federativos; consolidar a legislação infraconstitucional, que mantém buracos desde 1988, e atualizar os eixos das relações do trabalho. Os cidadãos - de todas as classes, vale lembrar - precisam enxergar no Estado braços protetores, e não uma bocarra para engolir impostos, encargos e contribuições. Querem um sistema previdenciário que lhes retribua o peso de anos de contribuição. Uma escola pública de qualidade e capaz de abrigar milhões de brasileiros que permanecem fora do sistema educacional. Sonham com os tempos bucólicos de segurança nas calçadas de suas casas. Será que o governo não pode avançar em matéria de segurança pública? Ninguém pode ser contrário a programas de redistribuição de renda. Mas assistir 11 milhões de famílias por meio de bolsas, sem lhes dar uma saída para esse modelo acomodatício, é aprofundar o buraco, construir a cama perpétua da inércia.
Como interstício entre anos eleitorais, 2009 é chave para abrir a porta de reformas. O argumento é o de que medidas de cunho político só serão adotadas em 2014, e não em 2010. Dar-se-ia prazo suficiente para maturação das decisões. Não dá mais para esticar o cordão da crise intermitente que amarra o País às raízes arcaicas. O xeque-mate no jogo é a crise econômica. Diques pontuais para atenuar as ondas da pororoca (maior que a marolinha de Lula) só serão eficazes se acompanhados de reformas do Estado e de padrões políticos. Reformar, como se sabe, é mudar, inovar, avançar, recondicionar, conceitos que ultrapassam limites físicos para abrigar questões comportamentais. Implica mudança de atitudes. O presidente da República deve ser o primeiro a dar o exemplo, impulsionando vontades transformadoras, incentivando avanços, empurrando o Executivo em direção às reformas, sem pretensão de expandir o mandonismo do sistema presidencialista. Sob essa inspiração, o Palácio do Planalto só usaria o instrumento excepcional da medida provisória em caso de urgência e relevância. A sinalização de boa vontade e respeito ao sistema normativo seria reconhecida, contribuindo para aperfeiçoar sua imagem burilada de maneira tosca pelo cinzel do populismo.
Os corpos parlamentares, do Senado e da Câmara, tocados pela ideia de que as crises - a econômica e a política - apontam para a necessidade de decisões altaneiras, haverão de encontrar aquele traço de união, raro, mas não impossível, em que visões egocêntricas olharão para o altar da Pátria para ali depositar o fruto do consenso, consubstanciado em ações para combater o atraso. Se não é possível avançar muito, pelo menos se tente fazer o máximo. O que não se admite é intransigência por obra e graça de artimanhas com vista ao jogo eleitoral futuro.
No que diz respeito ao Judiciário, já se percebe que a justiça sai dos longos corredores das Cortes para chegar às ruas. Ainda é lenta e pouco acessível ao cidadão comum. Não se nega, porém, que os juízes começam a vestir uma toga de matiz mais humano. O ano poderá ser menos inóspito no campo das relações harmônicas entre o Supremo Tribunal Federal e os Poderes Executivo e Legislativo. O que parece inadmissível é ouvir o presidente da República falando mal de ministros. E estes, mesmo sob a elogiável intenção de popularizar a locução, poderiam ser mais cautelosos e menos afoitos no uso de adjetivos. Que tal um acordo para ajustar condutas ao tempero constitucional da harmonia, autonomia e independência dos Poderes?
O que se espera, enfim, dos atores do cenário institucional é o compromisso com os valores mais sagrados do sistema democrático e, sobretudo, a vontade de contribuir para elevar os padrões da cidadania. Em suma, espírito público, aquela chama cívica que Tocqueville enxergou, há 170 anos, quando descreveu a democracia norte-americana: "Existe um amor à pátria que tem a sua fonte principal naquele sentimento irrefletido, desinteressado e indefinível que liga o coração do homem ao lugar em que nasceu. Confunde-se esse amor instintivo com o gosto pelos costumes antigos, com o respeito aos mais velhos e a lembrança do passado; aqueles que o experimentam estimam o seu país com o amor que se tem à casa paterna."