Com seu BlackBerry em aparente surto viral, Obama dispara
recados para todos os cantos. Nomeou enviado especial até
para o "aquecimento global" e aprovou um pacotaço de 819
bilhões de dólares, dinheiro para sacudir a poeira da economia.
É sua grande cartada contra a recessão
André Petry, de Nova York
VEJA TAMBÉM
|
Barack Obama é o primeiro presidente dos Estados Unidos, e talvez seja um dos primeiros do mundo, a assumir seu posto com um vício cibernético: o BlackBerry, celular no qual ele checa as notícias da hora, o resultado dos jogos de basquete e confere e despacha e-mails. O uso do aparelho estava proibido, por razões de segurança, mas Obama começou a protestar contra o veto mesmo antes da posse. Esperneou tanto que ganhou. Usa uma versão especial, só um grupo restrito tem seu endereço eletrônico e seus e-mails não podem ser encaminhados a terceiros – um programa bloqueia o reenvio. Com seu aparelho na mão esquerda, Obama, que é canhoto, cumpre uma das promessas de campanha: a de imprimir, ou pelo menos parecer imprimir, um extraordinário dinamismo no governo. "Temos de nos levantar e sacudir a poeira", conclamou ele, no discurso de posse. Na semana passada, tal qual um BlackBerry em pane viral, Obama disparou mensagens para todos os lados. Na política externa, despachou enviados especiais para o Irã, para a fronteira entre o Afeganistão e o Paquistão, para o conflito no Oriente Médio e nomeou até um "enviado especial para o aquecimento global", Todd Stern. Ficou no ar a piada: o sujeito vai para onde? Detroit? Kioto? Mercúrio?
É no combate à crise, porém, que o novo presidente vem concentrando a maior parte de seu ativismo. Na quarta-feira passada, a Câmara dos Deputados aprovou seu pacotaço de 819 bilhões de dólares – quantia equivalente ao PIB do México –, um dos maiores pacotes da história. É a tentativa bilionária de sacudir a poeira da economia americana. As bolsas fecharam em alta, de Nova York a Frankfurt, de Tóquio a São Paulo, mas o entusiasmo decorreu menos da aprovação do pacote e mais de notícias segundo as quais o governo americano estuda criar uma instituição financeira para abrigar toda a papelada podre dos bancos, desintoxicando o mercado. Dois dias antes da aprovação do pacote, grandes empresas americanas cortaram, num único dia, 55 000 empregos. E, um dia depois, soube-se que a economia americana afundou 3,8% do PIB nos últimos três meses do ano passado. Havia quase trinta anos que não encolhia tanto em tão pouco tempo. Em 1982, quando caiu 6,4%, o Federal Reserve, banco central americano, reagiu com um instrumento clássico da política monetária: cortou a taxa de juros e, com isso, estimulou a economia. Agora, essa arma está descarregada. A taxa de juros já desceu a quase zero, e a economia segue boiando na pasmaceira.
Com seu pacote bilionário descrito em 647 páginas, Obama, aqui também, despacha mensagens para todos os cantos. Tem dinheiro para desempregado se manter, dinheiro para famílias de baixa renda reforçarem as compras no supermercado, dinheiro para empreiteiro construir novas estradas e para governadores evitarem novos cortes de gastos. A ordem é gastar. Dos 819 bilhões, cerca de um terço, 275 bilhões de dólares, vem da redução de imposto – cada americano empregado receberá de volta 500 dólares por ano, durante dois anos, ou 1 000 dólares por família. O corte de imposto é o principal mecanismo do pacote para ativar a economia o mais rápido possível. Estima-se que os primeiros sinais, no entanto, só serão sentidos em abril, e assim mesmo deverão vir da ajuda financeira destinada aos desempregados, e não aos cidadãos que estarão recebendo restituição. Em geral, as pessoas empregadas tendem a receber restituição e colocar o dinheiro na poupança ou pagar dívidas. Em fevereiro do ano passado, quando o Congresso aprovou um pacote fiscal com restituição de 168 bilhões de dólares para estimular a economia, mais de 80% do dinheiro acabou na poupança ou no abatimento de dívidas.
Fotos Mandel Ngan/AFP e Doug Mills/The New York Times |
O HOMEM DO PACOTE DUPLO Geithner e o antecessor, Henry Paulson (na foto menor): administrando dois pacotes que somam quase 1,2 trilhão de dólares |
"Como um economista conservador, eu deveria ser contra pacotes de estímulo como esse", escreveu o economista Martin Feldstein, professor de Harvard e ex-conselheiro econômico de Ronald Reagan. "Mas estou de acordo com um pacote de estímulo, porque a recessão de agora é mais profunda e diversa das contrações anteriores." Há consenso entre economistas de todas as linhas, democratas e republicanos, de que é hora de gastar, mesmo à custa de abrir uma cratera de déficit público. As divergências, porém, começam em seguida: gastar como e com quê? O secretário do Tesouro, Tim Geithner, que comandará a aplicação do pacotaço, aposta que o desenho do estímulo fiscal é bom, seu efeito será positivo e o dinheiro está sendo bem distribuído. Feldstein, no entanto, saiu-se com um diagnóstico devastador do pacote já no dia seguinte à aprovação. "É um erro de 800 bilhões de dólares", escreveu. "Na sua forma atual, o pacote fiscal terá um impacto mínimo no aumento do consumo e na criação de empregos." Como o pacote aprovado na Câmara agora vai para o Senado, há tempo para corrigir o que tiver de errado. Mas, no campo político, em que pese toda a retórica de Obama sobre um governo suprapartidário, o consenso parece cada vez mais inalcançável.
Todos os 177 deputados republicanos votaram contra o pacote, sob a alegação de que o corte de impostos é muito tímido. Dos 255 democratas, onze engrossaram o voto da oposição. O pacote acabou aprovado, mas o placar de 100% de oposição republicana foi ruim, a tal ponto que o chefe-de-gabinete de Obama, o todo-poderoso Rahm Emanuel, teve de apelar à cantilena do pragmatismo, comum para quem ganha mas tem pouco a comemorar. "O mais importante para o plano de recuperação da economia é saber quantos empregos vai gerar, e não quantos votos teve", disse. O problema é que se sabe que teve 244 votos a favor e 188 contra, mas ninguém faz ideia do número de empregos que vai criar. Nem se os setores a ser estimulados são os que geram mais postos de trabalho e mais rapidamente. No ano passado, os Estados Unidos perderam 2,6 milhões de empregos. Se o estímulo à atividade econômica não for poderoso, esse número ficará no horizonte. Como a crise vem se agigantando, a taxa de desemprego tende a subir ainda mais. Os economistas torcem para que não termine 2009 nas alturas de 10%, mas ninguém aposta que não chegará lá.
A crise tem dois flancos. De um lado, está o estouro da bolha imobiliária, que vem se desenhando há tempos e explodiu o mercado financeiro em setembro do ano passado, quando ficou claro que as maiores instituições financeiras estavam contaminadas com hipotecas que não valiam um tostão. De outro, está a recessão econômica, que se aprofunda a cada dia. Naturalmente, são coisas ligadas, mas que vêm recebendo tratamento em separado. Em seu pacote de outubro passado, de 700 bilhões de dólares, o então secretário do Tesouro, Henry Paulson, concentrou-se em salvar os bancos e desentupir o mercado de crédito. Atacou as causas imediatas do estouro da bolha imobiliária. Com isso, Paulson evitou uma quebradeira bancária e uma desordem mundial, mas o crédito seguiu congelado – como está até hoje. Agora, o pacote de Geithner tenta reanimar a economia para reduzir o impacto da recessão. Nada será resolvido, no entanto, se a bolha imobiliária seguir boiando, depreciando continuamente o valor dos imóveis e transformando as hipotecas em papéis podres. Como o pacote de Paulson só gastou metade do dinheiro, os 350 bilhões que restam serão usados para segurar os bancos e os imóveis.
A matemática dos bilhões fez com que o secretário Tim Geithner tenha assumido seu posto já na condição de administrador de 819 bilhões de dólares contra a recessão e mais 350 bilhões contra a bolha imobiliária. Dos 350 bilhões, especula-se que entre 50 bilhões e 100 bilhões de dólares serão destinados a ajudar os americanos que estão perdendo a casa própria com a execução de hipoteca. A sobra, em torno de 250 bilhões, ficará à disposição para ajudar os bancos, que seguem fazendo lobby junto ao governo por mais ajuda. Somando tudo, Geithner está comandando um socorro colossal, de quase 1,2 trilhão de dólares. É um Brasil em forma de pacote. O mundo inteiro espera que dê certo, mas, olhando lá na frente, já tem fantasma: como os Estados Unidos, agora gastando 1,2 trilhão, vão lidar com o estratosférico déficit público que daí resultará quando o pacote terminar, daqui a dois anos? Se o governo americano ficar tomando emprestado para cobrir o rombo, já se teme que acabe provocando o aumento da inflação e dos juros pelo mundo afora. Agora, porém, as mensagens do presidente Obama, para dentro e para fora de suas fronteiras, nada dizem sobre isso. É crise demais para um BlackBerry só.
Fotos Charles Dharapak/AP, Matty Stern/AP, David Brody/Landov/UPI Photo, Divulgação e Jae C. Hong/AP |
Nenhum comentário:
Postar um comentário