Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 24, 2009

Justiça Programa aproxima vítima de criminoso

De frente para o criminoso

Programa que promove encontros entre vítimas
e delinquentes ajuda a reduzir a reincidência


Thomaz Favaro

Fotos Mirian Fischtner
PERDÃO DE MÃE
"Minha filha Karen, de 16 anos, foi encontrada morta na casa do namorado, Jean, que eu considerava como um filho. Ele mentiu, mas a perícia comprovou a morte por asfixia. No encontro, conversamos sobre o mal que ele causou. Acabei perdoando-o, pois vi um rapaz consumido pela própria culpa. Ele foi condenado e ainda cumpre pena."
Márcia Garcia, 46 anos, de Porto Alegre

O desejo de desforra, a sensação de impotência, o medo de passar por tudo mais uma vez – o turbilhão emocional que atormenta as vítimas de violência é bem conhecido dos brasileiros. A mente dos agressores é um pouco mais obscura. Quantos deles são capazes de se imaginar no lugar das pessoas a quem agrediram e se arrepender sinceramente? Nos últimos três anos, um projeto piloto do Judiciário brasileiro tem dado à vítima a oportunidade de ser ouvida pelo criminoso. A experiência mostra que esse tipo de programa, conhecido como Justiça Restaurativa e já existente há duas décadas em outros países, ajuda a diminuir o ressentimento e o sentimento de impotência de quem sofreu a violência. O encontro pode ser, também, uma maneira de impedir que o desejo de vingança provoque uma espiral de violência.

Os diálogos entre vítimas e delinquentes têm um roteiro predefinido, garantido por um mediador, e só acontecem se as duas partes toparem. De frente para o agressor, a vítima conta como sua vida mudou a partir do crime e, por sua vez, ouve as razões do outro. Ambos devem repetir o depoimento que ouviram para comprovar que entenderam o recado. Familiares das vítimas e dos criminosos são convidados para participar e também podem falar. Não raro os participantes desenvolvem uma empatia mútua depois do diálogo. "Achei que ia encontrar duas pessoas malignas, dois bandidos sem solução", afirma o estudante gaúcho Yuri Machado, de 21 anos, que conheceu os jovens que o roubaram e agrediram na rua em que mora. "Vi seus pais envergonhados com a situação e rapazes que se mostraram genuinamente dispostos a mudar de vida", ele diz.

Embora relatos de perdão e reconciliação sejam frequentes, esses não são os objetivos principais do encontro. Se tiver sido condenado, o agressor continuará preso mesmo depois de ser perdoado pela vítima. "O importante é fazer com que o criminoso tenha consciência do que fez e se responsabilize por todos os danos causados", diz o juiz Egberto de Almeida Penido, coordenador do Centro de Estudos de Justiça Restaurativa da Escola Paulista da Magistratura. A maioria das vítimas descreve a experiência como um alívio. "O encontro auxilia as vítimas a sanar as dúvidas pendentes com relação ao crime e ajuda a controlar a insegurança que as acomete", diz Cinara Moraes, psicóloga da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre, que acompanha jovens infratores.

FIM DO TRAUMA
"Dois jovens me roubaram e agrediram na rua de casa. Depois disso, só andava acompanhado. Tinha medo de que eles voltassem para me matar. Achei que eram duas pessoas malignas e só os encontrei para poder contar quanto havia sofrido. Eles se mostraram arrependidos e empenhados em mudar. Foi um alívio indescritível: aquele peso não fazia mais parte da minha vida."
Yuri Machado, 21 anos, de Porto Alegre

Adotada na Inglaterra, Austrália, Canadá, África do Sul, Colômbia e Estados Unidos, a Justiça Restaurativa é recomendada pela Organização das Nações Unidas. A Nova Zelândia foi o primeiro país a implementá-la dentro do sistema jurídico tradicional, começando com jovens infratores, em 1989. Atualmente, um em cada quatro criminosos menores de idade é encaminhado para esses encontros, que reúnem familiares e vítimas. O índice de reincidência entre os que participam do projeto é 27% menor que o dos demais delinquentes. Desde 1995, o programa neozelandês foi expandido para incorporar adultos infratores. O projeto brasileiro foi criado em 2005 em três cidades. Em Porto Alegre, é tocado pela 3ª Vara do Juizado Regional da Infância e da Juventude, que promove encontros com adolescentes autores de delitos que incluem crimes graves, como latrocínio e assassinato. No Núcleo Bandeirante, cidade-satélite do Distrito Federal, o programa atende infratores adultos – mas apenas quando se trata de delitos leves. Em São Caetano do Sul, na Grande São Paulo, os encontros são feitos em escolas públicas e geralmente envolvem pequenas ocorrências, como furtos e brigas entre vizinhos. Se houver um acordo entre as partes, o caso nem sequer será levado a julgamento. No ano passado, o programa foi expandido para outras escolas da região metropolitana de São Paulo. Iniciativas fora da alçada do Ministério da Justiça estão sendo testadas em escolas de Minas Gerais, Santa Catarina e Pernambuco.

A experiência de Porto Alegre, a única no país em que a Justiça Restaurativa é aplicada a crimes graves, mostra que, quando o caso é violento, convém esperar entre um e dois anos para promover o encontro. Antes disso, o criminoso costuma ser superficial durante a conversa, fazendo apenas um jogo de cena com a vítima. O encontro só não funciona em casos de violência familiar e de crimes sexuais. "Experiências de outros países indicam que o risco de novas agressões, nessas situações, é grande", diz o juiz Leoberto Brancher, que coordena o projeto gaúcho. Os primeiros resultados obtidos em Porto Alegre são animadores. O índice de satisfação das vítimas com o encontro é de 95%. A participação no projeto também diminuiu em 23% a reincidência dos infratores. "Muitos adolescentes afirmam que é mais fácil ficar encarcerado do que ter de olhar na cara da vítima", diz a psicóloga Cinara Moraes. Em certos casos, o círculo não funciona: "Para pessoas que estão imersas num padrão vingativo ou querem apenas apontar culpados, o encontro é ineficaz".

 


Blogged with the Flock Browser

Nenhum comentário:

Arquivo do blog