Nela tudo é superlativo. A população de 11 milhões de pessoas é maior do que seria razoável.
São mais de 5 milhões os veículos que nela circulam, a velocidades médias sempre menores.
Milhares de bares e restaurantes, 1 milhão de pizzas por dia, mais de 250 mil estabelecimentos comerciais, pelo menos três dezenas de grandes shopping centers, 10 milhões de visitantes/ano, cerca de 80% dos eventos do País, 500 helicópteros, mais de mil academias de ginástica. Das 15 mil toneladas de lixo que produz por dia, quase nada é reciclado ou coletado de forma seletiva, gerando montanhas de resíduos e sujeira. O desperdício é generalizado, nas casas, nas indústrias, no comércio, na construção civil. Dá para estimar o gigantesco volume de dinheiro que escorre pelos interstícios de seu sistema bancário, de fazer inveja a qualquer país desenvolvido. A riqueza faz eco a uma miséria persistente. Terra de oportunidades, empregos, sonhos e fantasias. Globalizada, repleta de ofertas culturais e espaços públicos, com um patrimônio histórico relevante e uma população multiétnica, a cidade pulsa sem cessar. É a locomotiva do Brasil, como diz a tradição, especialmente quando se leva em conta que é a partir de sua efervescência, de seu empreendedorismo e de seu poder de consumo que o País se mantém entre os principais protagonistas da economia mundial.
São Paulo poderia ser excelente para se viver. Mas não é. Por sua grandeza, pelo papel que desempenha, por suas glórias e tradições, deveria sê-lo. Não que falte perspectiva comunitária. Inúmeros paulistanos se identificam com a cidade e sentem orgulho por dela fazer parte.
Criaram raízes nela e estão decididos a construir a vida em seus espaços. Talvez até estejam dispostos a agir para fazer com que as coisas melhorem, ainda que a maioria acalente o sonho de deixar a cidade, fugir de seus tentáculos e pressões, buscar o futuro em outro lugar. Mas falta alguma coisa para dar norte humanizado à cidade, ao mesmo tempo que sobram problemas.
São vergonhosos os indicadores da qualidade de vida dos paulistanos, especialmente em termos sociais. Os cidadãos percebem isso e se manifestam com clareza sempre que perguntados: a cidade não é justa, submete seus moradores a sacrifícios pesados, como se quisesse expulsá-los. Amplifica desigualdades, em vez de reduzi-las. Suas periferias são indignas. A educação deixa a desejar em todos os níveis, em que pese a cidade desempenhar importantíssimo papel na produção técnica e científica nacional, graças às suas universidades públicas e a seus institutos de pesquisa. Há deficiências graves no sistema de saúde. O custo de vida agride os moradores. A insegurança e o medo condicionam hábitos, valores e opções de convivência. A poluição está tão radicalizada que parece não ter como ser monitorada: o ruído urbano atinge níveis insuportáveis, os dois grandes rios que cruzam a cidade são imundos, a fumaça negra que a impregna bloqueia a visão e envenena os pulmões.
Com a força magnética e os recursos (humanos, técnicos, financeiros, intelectuais) de que dispõe, chega a ser incompreensível o atraso que a cidade exibe em vários de seus setores.
Tome-se o transporte público, por exemplo. Numa teia urbana gigantesca como a de São Paulo, é óbvio que o deslocamento da população adquire dimensão estratégica. Pessoas que passam mais de duas horas por dia para fazer o percurso casa-trabalho-casa, como ocorre com a maioria dos paulistanos, não dispõem de condições razoáveis para crescer na vida. Acabam ficando tentadas pelo automóvel particular, este categórico objeto de desejo da modernidade, com o que se desinteressam da luta pela melhoria dos meios públicos. E quando conseguem - à custa de restrições e endividamentos - comprá-lo, terminam por contribuir para piorar ainda mais a situação.
Muito pouco tem sido feito nos últimos tempos para enfrentar o problema. As expectativas de melhoria continuam a ser transferidas para a ampliação do metrô. Perante os ônibus, a imaginação parece entorpecida, escrava de corredores exclusivos e obras viárias. O que se desenhou anos atrás como plataforma inovadora quase nada deixou de legado. Os veículos não são amigáveis. São mal sinalizados, pouco informativos, sujos e desconfortáveis. O bilhete único foi uma das poucas boas ideias a serem postas em prática, mas ainda é insuficientemente explorado e não se combinou nem com a implantação de linhas setoriais que fluam com maior rapidez e desobstruam as vias públicas, nem com uma tarifação mais flexível e inteligente. O Sistema de Monitoramento do Transporte ("Olho Vivo"), implantado pela SPTrans para fornecer aos usuários informações em tempo real sobre os ônibus, é uma excelente iniciativa, mas atinge pouca gente e não é otimizado. O próprio sistema de transporte em seu todo é mal conhecido pela população, que não tem como se informar a respeito dele ou visualizá-lo de modo abrangente.
Qualquer intervenção dedicada a reformular um sistema de transporte público requer muito conhecimento especializado. São Paulo dispõe de inteligência e informação em doses mais que suficientes. Precisa saber usá-las para propor ideias novas e convocar a população para agir coletivamente.
O problema tem uma clara dimensão técnica e financeira, mas é sobretudo político. Para ser solucionado depende de determinação, ousadia e apoio social, coisas que somente a política pode fornecer.
Enquanto isso não se produzir, aniversários continuarão a ser comemorados de modo protocolar, para honrar a história, mas não para demarcar novos espaços de cidadania e vida digna.
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