A candidatura do senador José Sarney à presidência do Senado não foi decidida na semana passada nem é fato que tenha contrariado o presidente Luiz Inácio da Silva nem chegado ao conhecimento dele no encontro que os dois tiveram dia 20 último.
É urdida há quase dois meses. A data da operação em si pode ser estabelecida a partir do dia 18 de dezembro quando o presidente do Senado, Garibaldi Alves, num movimento estranho, mas agora compreensível, foi lançado pelo PMDB à reeleição, a despeito dos questionamentos jurídicos.
Naquele mês, mais de um senador da base governista foi chamado ao gabinete de Renan Calheiros e ouviu que José Sarney seria o próximo presidente do Senado e, ele, Calheiros, líder do partido. O roteiro da trama é conhecido, mas poucos ousam revelá-lo e nenhum senador o faz sem a proteção do anonimato.
Articulador da candidatura por intermédio da qual volta ao poder e busca o prestígio perdido em meio a denúncias que lhe custaram a renúncia à presidência do Senado e um processo no Supremo Tribunal Federal, Renan Calheiros abriu o jogo na ocasião.
Disse que tiraria a liderança de Valdir Raupp, que no dia 20 de janeiro Sarney anunciaria a candidatura e que até lá seria necessário criar um fato para impedir a viabilização da candidatura do petista Tião Viana.
Dito assim, exatamente assim foi feito. O senador Garibaldi prestou-se ao papel de simular a retomada da ideia de se candidatar à reeleição e, desse modo, evitou que Viana se consolidasse, o que fatalmente ocorreria se ficasse sozinho no páreo.
Na ocasião, quem quis foi conferir o roteiro com Sarney. A conversa, meio atravessada como sempre, foi sendo conduzida para o desmentido, a negativa da candidatura. Até que Sarney fez uma vírgula, e disse o que de fato queria dizer: “Mas o Tião, nesse meio tempo, terá que decolar...”
Pois “nesse meio tempo”, o PMDB tudo fez para que não decolasse. Lançou Garibaldi, manteve a possibilidade Sarney no ar e foi levando em banho-maria o momento de decisão que seria anunciada logo após o encontro com Lula.
Reunião de cartas marcadíssimas. O presidente explicou a Sarney que já havia tentado demover Tião Viana da candidatura, naquela altura irreversível, assumida no PT com o compromisso de ir até o fim, “dê o que der”.
O senador, então, deu cartada final, dizendo ao presidente que, se ele pedisse, retiraria a candidatura. Lula respondeu que não “faria isso” com um “parceiro” leal e um político da estatura de Sarney. Estava, portanto, sacramentado o abandono de Tião Viana à própria sorte.
Destino, ademais, traçado por diversos companheiros que o alertaram para que não se iludisse, pois seria deixado no meio do caminho. Feita a cena no dia 20, no dia 21 Sarney começou a procurar os colegas senadores. Comunicou a “revisão” daquela posição de não concorrer e relatou a conversa com o presidente. Só.
Não pediu voto, mas começou a negociar os cargos na Mesa, assegurando ao DEM logo a primeira-vice-presidência para o senador Heráclito Fortes, um dos mais aguerridos opositores do governo Lula.
Ao PSDB de maneira enviesada fez entender que os votos do partido poderiam levar o apoio do grupo aliado a Lula desde o primeiro momento da campanha pelo primeiro mandato para a candidatura José Serra a presidente em 2010.
Pelo que anda dizendo o presidente do partido, senador Sérgio Guerra, a seus pares, o tucanato acreditou. Não teria tanta confiança assim, porém, se tivesse tido oportunidade de testemunhar a sem-cerimônia com que aliados de Sarney circulam por Brasília comemorando antecipadamente a vitória no Senado e apostando que, na Câmara, não se elege Michel Temer e sim Aldo Rebelo, cuja campanha, cumpre registrar, está mergulhada no silêncio e no mistério.
Ele atua fortemente, pedindo votos sob o argumento de que não interessa a ninguém, nem ao governo nem à oposição, ver o PMDB no comando total do Congresso.O grupo de Michel Temer acusou o golpe desde o primeiro instante e passou a trabalhar contra Sarney. Eles não querem briga com o presidente da República (em nome dos cargos que ocupam desde a reeleição), mas já detectaram a evidência: para o Palácio do Planalto não seria de todo mau – ao contrário – que Temer seja derrotado.
Principalmente se Aldo Rebelo ganhar, abrindo-se a oportunidade para a compensação pela derrota para Arlindo Chinaglia, na eleição de presidente da Câmara em 2007, e a desistência da candidatura a prefeito de São Paulo para integrar, como vice, a chapa de Marta Suplicy.
E qual o ganho da eventual derrota de Temer? A perda do comando do partido, hoje presidido por ele, cuja máquina nacional é diamante para qualquer que seja o plano de Lula para 2010. Esse grupo, como se sabe, é próximo de José Serra, fez parte do governo Fernando Henrique Cardoso e, desde a adesão da seção paulista à candidatura de Gilberto Kassab, costeia perigosa, mas firmemente, o alambrado do campo adversário.
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