Entrevista:O Estado inteligente

sábado, janeiro 31, 2009

O Leitor, com Kate Winslet e Ralph Fiennes

ONDE O MAL COMEÇA

Em O Leitor, as várias facetas da "culpa alemã" na
história de um jovem que descobre ter sido amante
de uma guarda de campo de concentração


Isabela Boscov

Divulgação
FOMOS TÃO FELIZES Kate e Kross em seu idílio de leitura
e erotismo: o medo do inocente de que dentro de si haja um culpado

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Em 1958, na cidade alemã de Neustadt, o garoto Michael, de 15 anos, conhece uma mulher mais velha e começa com ela um caso. Só depois de vários encontros ele descobre que ela se chama Hanna – e isso, mais o fato de que ela trabalha como condutora de bonde, é tudo que ele sabe. Abrutalhada pelo cotidiano, na intimidade Hanna é capaz de uma sensualidade intensa e de prazeres inesperados. Adora, por exemplo, que Michael leia para ela, de Goethe a tramas policiais, em serões que servem de prelúdio ao sexo. Certo dia, Hanna some. Oito anos mais tarde, Michael a revê: ao acompanhar como estudante de direito um julgamento polêmico, ele constata que ela é uma das rés. Seu nome completo é Hanna Schmitz e, durante a II Guerra, alistada na SS, a força de elite nazista, ela foi guarda de um campo de concentração. Todas as semanas, ela e as outras cinco acusadas escolhiam as mulheres que seriam executadas. A repulsa de Michael logo se tornará ainda mais profunda. Hanna admite que, sim, ela e as cinco colegas deixaram que 300 mulheres morressem queimadas, trancadas dentro de uma igreja que ardia. "Por que não abriram as portas?", pergunta o juiz, aturdido. "Pela razão óbvia", responde Hanna – o trabalho dos guardas é guardar, diz ela, não deixar que seus prisioneiros escapem e se espalhem. O Leitor (The Reader, Estados Unidos/Alemanha, 2008), que estreia nesta sexta-feira no país, se desdobra sobre as duas facetas do estado de culpa em que a Alemanha se lançou no pós-guerra: a culpa (ou ausência dela, no caso de Hanna) dos que foram responsáveis pelas atrocidades do nazismo ou preferiram ignorá-las; e a culpa, paradoxalmente mais sincera e tingida de vergonha, dos que se misturaram ao horror sem nem o saber (como Michael).

Uma reflexão instigante apenas não bastaria para recomendar um filme. Mas O Leitor envolve, antes de mais nada, pelos seus componentes de drama, romance e suspense, herdados do livro publicado em 1995 pelo advogado e filósofo alemão Bernhard Schlink. Um best-seller mundial (que agora volta em boa tradução de Pedro Süssekind, pela editora Record), o romance desperta o interesse por Hanna por insinuar que a personagem guarda um segredo que ela considera mais terrível do que seu passado nazista – um segredo que determinará sua condenação e a ligará para sempre a Michael. A opção do diretor inglês Stephen Daldry por Kate Winslet é, assim, o pivô desta adaptação: poucas atrizes sabem tão bem como calcular um desempenho até os seus mínimos pormenores físicos e psicológicos e então ocultá-los, projetando emoções que parecem nascidas do momento. Na atuação de Kate, Hanna é tão mais elusiva quanto mais se sabe sobre ela, e não é difícil compreender que Michael (na adolescência, vivido por David Kross) mergulhe nela como se estivesse descobrindo o mundo. Ou que, adulto (na interpretação nada alemã, e inglesa demais, de Ralph Fiennes), ele não se canse de puni-la pela traição. Não que seu fascínio por ela diminua: em seu verdadeiro papel, o de uma Alemanha confrontada com os crimes da geração anterior, Michael enxerga em Hanna não apenas o horror, mas também o mistério desse horror, com todo o misto de medo e excitação que os mistérios costumam provocar.

AS INDICAÇÕES
Filme
Direção — Stephen Daldry
Atriz — Kate Winslet
Roteiro adaptado
Fotografia
É quase certo que, em algum momento de O Leitor, o espectador se desequilibre – pode ser aquele em que percebe a potência erótica que Hanna ainda irradia na fase de seu julgamento, ou o ponto em que a compaixão por ela se avoluma. Diante do que uma sobrevivente diz a Michael (numa grande cena da sueca Lena Olin), nutrir pena por alguém que foi tão hediondo é obsceno – mas é quase impossível também não se comover com o fim cruel de Hanna. Esse é o fio da navalha sobre o qual O Leitor caminha: ao mesmo tempo em que usa o holocausto como artifício para um drama pessoal, lembra que o mal que suas vítimas tiveram de suportar começou com a desumanização das pessoas comuns, para que elas fossem metamorfoseadas em algozes. Essa, enfim, é a origem da "culpa alemã" – o terror de todo Michael de que possa ter dentro de si uma Hanna.

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