Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, janeiro 09, 2009

Míriam Leitão Senso de direção


O plano de Barack Obama ainda não tem substância, mas tem direção. Ele não é fato concreto, porque o governo nem começou, mas ontem, num longo pronunciamento sobre a crise, ele deixou mais nítida a sua estratégia: aliar a recuperação à modernização. Gastar o dinheiro do contribuinte para aumentar a eficiência energética, o uso de energia limpa e disseminar a internet banda larga.

A ideia de Obama — o Plano Americano de Recuperação e Reinvestimento — é atingir dois objetivos por vez. Ao utilizar a velha ferramenta do investimento público, vai criar mais emprego; ao fazer investimentos em eficiência energética e energia limpa, o país estará se preparando para o futuro cada vez mais urgente de redução das emissões de carbono. Ao disponibilizar uma comunicação de qualidade no país inteiro, também estará criando emprego. Na própria instalação da infraestrutura. Ao mesmo tempo, ela servirá para alavancar a produtividade dos pequenos negócios e das empresas instaladas em todos os recantos do imenso país.

Modernidade se faz com comunicação ágil e com redução do impacto ambiental da atividade produtiva. Essa é a direção embutida no plano por todos os movimentos e palavras do presidente eleito neste período preparatório.

Obama dividiu o discurso de ontem entre: senso de urgência histórica, números e fatos assustadores, distribuição de culpas ao trio governo-empresários-banqueiros, linhas mestras do plano e palavras mobilizadoras sobre a possibilidade de mudar a realidade.

Na parte incluída para assustar, ele disse que nesta sexta se saberá que o país perdeu no ano passado mais empregos do que em qualquer época desde a Segunda Guerra, avisou que a crise piorou nas últimas semanas, falou pela primeira vez em desemprego de dois dígitos e mostrou como os americanos vão empobrecer: a economia pode produzir US$ 1 trilhão a menos do que sua capacidade, e uma família de quatro pessoas perderá US$ 12 mil em renda. Se tudo não bastasse, ele ainda repetiu que tudo vai piorar antes de melhorar.

Para reverter um quadro assim, ele promete redução de desperdícios, aumento forte de investimento público e abatimento de impostos para 95% das famílias. Diminuição de impostos e aumento de investimento do governo são gasto público. E isto num país no qual o imenso déficit foi catapultado a um nível inimaginável. Pode chegar a US$ 1,3 trilhão. E esta não é toda a ameaça.

O que não pode ser dito por uma autoridade americana é o que estava publicado ontem na imprensa: os chineses começaram a parar de comprar títulos da dívida dos Estados Unidos. Se a tendência se confirma, a consequência é perigosa. A China tem US$ 1 trilhão de dívida americana, em setembro passou o Japão como o maior financiador do Tesouro americano e, pelo que informou o jornal New York Times, começa a perder o interesse de acumular os cada vez mais abundantes títulos da dívida americana. Em parte porque o fluxo de capitais, seja de investimento direto, seja de comércio, tem diminuído, e em parte porque o país quer financiar seu próprio pacote de estímulo de US$ 600 bilhões.

A conjuntura fiscal na qual Obama prepara seu pacote de US$ 800 bilhões não é das melhores. Mas, pelo menos, não é um gasto defensivo e feito caso a caso, como foi o pacote Bush. Desta vez, o governo promete gastar com uma direção certa. Promete atualizar a economia americana através de energia limpa e alternativa.

No Brasil, tanto os projetos do PAC quanto o socorro às empresas se parecem mais com a maneira Bush de governar. São gastos sem um propósito definido, sem uma estratégia.

O estágio da crise no Brasil é outro. Veja-se o caso da indústria automobilística. As estatísticas de vendas e de produção em dezembro divulgadas ontem mostram que a indústria mergulhou. Quedas de 46% de produção em dezembro em relação a novembro e de 54,5% em relação a dezembro de 2007. A produção de caminhões, que até recentemente tinha fila de espera, caiu 60% para novembro. Mas olhando os dados brasileiros uma segunda vez, fica claro que a indústria vive momento muito favorável. O mercado interno saiu de 1,4 milhão de veículos em 2003 para 2,8 milhões no ano passado. O mercado interno dobrou em cinco anos, enquanto a exportação permaneceu estagnada desde 2004. A indústria automobilística, que produziu 1,8 milhão de veículos em 2003, produziu 3,2 milhões em 2008.

A indústria precisa fazer a sua parte e conquistar o consumidor com redução de preços. O governo, nas medidas para evitar a recessão no país, precisa ter senso de propósito e somar objetivos. O plano brasileiro de crescimento tem aumentado a produção de energia fóssil; a política industrial, divulgada no ano passado, não tinha a menor preocupação ambiental; as medidas de ajuda a setores têm aumentado as transferências para empresas sem qualquer compromisso delas com mudanças de práticas e métodos de produção. Se for para gastar dinheiro público, que seja com algum propósito. Como na receita prometida ontem por Obama: “decisões duras e investimentos inteligentes”.

Com Leonardo Zanelli

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