Férias
Foi experiência nova para mim. Férias em São Paulo, capital, se alguém me propusesse essa aventura há poucos anos, eu diria que se tratava de um completo lunático, para ser sincera. Trânsito caótico, engarrafamentos que param a cidade por completo. Poluição tão forte que do alto parece um cobertor cobrindo a cidade. E depois, mais do mesmo, a cidade onde nasci, para onde fui durante toda minha infância pelo menos duas vezes por ano ou, mais tarde, no mínimo cinco a seis vezes a cada ano. Mas a vida nos prega peças estranhas e por motivos que não vêm ao caso, eu estava desde 2005 sem ir a São Paulo.
Para início de conversa, fui de ônibus. Conheço bem a Via Dutra, de carro já fui dezenas de vezes. Mas, de ônibus, foi minha estréia. E como já não ia de carro há muitos e muitos anos, dois choques iniciais: o estado lastimável da Rodoviária Novo Rio e a estrada federal que liga as duas maiores cidades do país. Do asfalto, melhor não falar. Ainda se vê algum verde, é verdade. Mas onde há ajuntamentos urbanos, a favelização é acabrunhante. O Brasil rural, amigos, se faveliza.
Quando o ônibus se aproxima do Terminal Rodoviário Tietê, o terceiro choque, positivo dessa vez: descrito como o 2º maior terminal rodoviário do mundo, não sei conferir se é verdade. Mas sei dizer que é muito bem instalado, limpo, confortável, preparadíssimo para receber o turista, que tem a sensação de ser bem vindo, o que certamente o prepara para gostar do que vai ver.
E ele vai ter muito para ver. Cheguei dia 29 de dezembro e até o dia 4 de janeiro, fiquei de férias, como se fosse uma turista de primeira viagem. Encantada com a poluição que diminuiu muito, com a cidade abençoadamente bem mais vazia (uns chegam, muitos saem...), mas, sobretudo, com as atrações. Primos e amigos riam de mim, fazendo piada com meu planejamento de turista. Mas o fato é que a cidade está linda!
Não tem beleza natural alguma. Não tem mesmo. A tal da ponte é muito feia quando vista de perto. É um chester num pires... Mas tem parques, jardins, a Avenida Paulista, restaurantes esplêndidos, muitas livrarias, bairros residenciais com casas, lindas vitrines, shoppings, cinemas, teatros e, sobretudo, museus. Meu tempo era curto para tudo. Nem fui aos já conhecidos. Dediquei-me a três maravilhas: a Livraria Cultura do Conjunto Nacional; a Estação Pinacoteca; e o Museu da Língua Portuguesa.
Da Livraria não falo. Basta que imaginem um templo dedicado aos livros, com um pé direito extraordinariamente alto e mezaninos por onde circulam dezenas de pessoas lendo, folheando, escolhendo, olhando, curtindo, calmas e tranqüilas, sem ninguém para lhes apoquentar a cabeça.
A Estação Pinacoteca é um exemplo perfeito da capacidade e da criatividade brasileiras: um prédio de 1914, de tijolinhos, construído para ser um depósito ferroviário e que em 1939 foi rebaixado para sede do Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo, de triste memória até 1985. Passa depois a outro órgão público e só em 2004, já restaurado e belo como sempre deveria ter sido, torna-se a casa das mais expressivas coleções de arte brasileira.
Entre uma visita e outra, longos e divertidos papos com amigos e parentes, o tempo correu e, de repente, é segunda-feira 5 e o Museu da Língua Portuguesa está fechado. Nem pensar em vir embora sem lá ir. Mais um dia na cidade e a glória de me sentir culturalmente rica ao constatar que pertenço a um povo e a uma cidade que criou aquele museu: é uma perfeita maravilha! Sabia que a exposição temporária era Machado de Assis. O que eu não sabia era que ia chorar, emocionada, ao passar por salas e corredores, lendo e ouvindo trechos da prosa de nosso maior escritor. Por favor, acreditem, é emocionante!
Se não bastasse, há um vídeo sobre nossa Mãe, a língua portuguesa, que é uma ode à palavra e ao pensamento que é fruto dela. E uma sala onde brincamos com pedacinhos de palavras para formar outras que nos são destrinchadas. E computadores que falam conosco, explicando a origem dos vocábulos e dos povos e tribos que formaram nossa língua.
É um museu vivo, diferente, que guarda um bem imaterial, que é nosso maior tesouro. Nada se compara a esse museu e não é á toa que museólogos ingleses, os maiores peritos em sua área, como prova o fascinante Museu Britânico, pioneiro na arte de montar com lógica objetos preciosos que contam a história do mundo, pois bem, repito, museólogos ingleses ficaram fascinados com a homenagem de São Paulo à Língua Portuguesa.
Sabem quanto é o ingresso? R$4,00. Aos sábados, a entrada é gratuita. Professores da rede pública não pagam; crianças até 10 anos e adultos com mais de 60, também não. Só uma recomendação: a visitação é apropriada para crianças alfabetizadas.
O único senão em minhas férias, curtas, muito curtas: fazer turismo no Brasil, com conforto e civilizadamente, é muito caro. Até as queridas e sempre deliciosas cantinas do Bixiga resolveram que estão em Manhattan. E com preços novaiorquinos de antes da crise...
Deve ser muito bom ter um avião a jato particular, diárias e refeições por conta da viúva... Por falar em férias pagas ou não, nosso Governo sustenta uma casa de veraneio e de descanso para o Presidente da República e família. Com uma estrutura bem cara, mordomia de hotel 6 estrelas. Mas parece que a família presidencial prefere água à terra firme. Afinal, nada supera um mergulho em águas profundas ao lado de um tubarãozinho, não é?
Sou, gostando ou não, do tempo de Vargas: verão para a família presidencial era sempre no Palácio Rio Negro, em Petrópolis, com caminhadas pela linda cidade e vastos sorrisos, acenos, e até curtos papos com os passantes. Nas horas de folga, pois férias mesmo, Vargas não tirava. Valia a pena sustentar aquele palácio.
Uma confissão: senti imensa saudade do blog!