Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 09, 2008

Rubens Barbosa, O BRASIL NÃO É INSTITUIÇÃO FILANTRÓPICA

O Mercosul, o principal projeto da política externa do Governo Lula, está seriamente abalado e sem perspectiva. Do ponto de vista dos interesses do Brasil e de sua política externa, sua preservação, como personalidade jurídica e como um processo mais complexo de integração, deveria ser, portanto, uma das prioridades do Itamaraty.

Mesmo reconhecendo seu impacto limitado para a estrutura produtiva nacional, sua relativa desimportância tecnológica e sua quase marginalidade para as necessidades brasileiras de modernização produtiva, o processo de integração sub-regional é um ganho político e econômico para o Brasil, por sua relevância no plano estratégico-diplomático.

A fidelidade do Brasil ao projeto de integração é a única garantia da não desintegração do sub-grupo regional. É por isso, ao contrário do que está acontecendo, o Brasil deveria assumir a liderança efetiva e propor medidas pragmáticas para permitir o avanço do bloco na área comercial.

O Brasil até dezembro próximo estará na presidência do Mercosul e o Itamaraty está preparando uma serie de medidas para discussão e aprovação na reunião do Conselho de Mercosul, a realizar-se na Bahia em meados de dezembro:

- a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum;

- um plano estratégico para a superação das assimetrias;

-a criação de um fundo de apoio a pequenas e medias empresas;

-a implementação do sistema de pagamento em moeda local, que funcionará primeiramente entre o Brasil e a Argentina;

    - o fortalecimento e a ampliação da Secretaria do Mercosul, sediada em Montevidéu;

    - cooperação em setores estratégicos, como a segurança alimentar.

A Agenda externa, de pouca expressão comercial, deverá apenas ser reafirmada: a eventual retomada das negociações de Doha; a pouco provável reativação das negociações com a União Européia; negociações e diálogos com os cinco países africanos integrantes da SACU, o conselho de cooperação do Golfo, a Jordania, o Marrocos, O Egito, a Turquia e a abertura de canais de conversação com os países asiáticos.

Algumas dessas medidas são importantes, mas não o suficiente para enfrentam o desafio de colocar o bloco no caminho da revitalização. O governo brasileiro, sem força ou vontade política para assumir a liderança e propor as medidas necessárias, procura empurrar com a barriga e passar rapidamente o bastão da presidência ao Paraguai. O novo presidente, Fernando Lugo, certamente terá propostas novas que poderão embaraçar o lado brasileiro.

Jean Monet, um dos pais do processo de integração na Europa, em suas memórias, conta como, durante a década dos 60, quando, por dificuldades políticas, a negociação comercial ficou paralisada, na tentativa de manter o processo vivo, medidas simbólicas, como acordos nas áreas políticas e sociais, foram tomadas. É isso que está acontecendo no Mercosul nos dias que correm.

Impossibilitado de promover avanços significativos do ponto de vista comercial, o Brasil busca aprofundar a cooperação sub-regional em áreas não controvertidas, com pitadas de ingenuidade (Plano Marshall para a região) e de generosidade (fazer concessão em (quase) tudo), mas com pouca eficácia prática. Todos sabemos das limitações financeiras no tocante à superação das assimetrias, que não desaparecerão entre os países membros, apesar dos esforços que estão sendo feitos. O Fundo de convergência estrutural (FOCEM) com recursos da ordem de US225 milhões é um gota d´água no oceano de recursos que seriam efetivamente necessários para promover a integração física e o desenvolvimento de projetos que gerem renda e emprego nos países menores (Paraguai e Uruguai).

O Brasil é maior porque consegue aglutinar a America do Sul, diz o Itamaraty, em um arroubo retórico, distante da realidade de um continente em desintegração.

Com o fracasso de Doha, o Brasil ficou sem a alternativa multilateral e sem estategia para as negociações externas. A unidade do bloco nas negociações comerciais é uma ficção. As diferenças de atitude entre o Brasil e a Argentina no tocante à liberalização comercial poderão manter o Brasil em uma camisa de força, sem chance de levar adiante uma agenda de abertura comercial que beneficie os produtos brasileiros, em especial os industrializados.

“Temos de construir consensos no limite do possível", mas "sem abrir mão da soberania, fazendo os acordos bilaterais que cada país entenda ser melhor" disse o Presidente Lula recentemente." De maneira correta e oportuna, Lula passa a admitir a possibilidade de o Brasil aceitar uma flexibilização da decisão política de negociar acordos com países fora da região com uma única voz, adotada pelo Mercosul em 2000.

Na America do Sul, apesar das resistências, todos os países esperam que o Brasil assuma suas responsabilidades e lidere as propostas de mudanças e de integração regional.

Liderança não se proclama, se exerce. O Brasil não pode mais ficar a reboque dos interesses dos demais parceiros do Mercosul, sobretudo no caso de ingresso da Venezuela. Novas alianças estão se formando no âmbito do bloco, todas elas com posturas não necessariamente de acordo com nossos interesses.

Nossa plataforma pode ser a América do Sul, mas, nos próximos anos, o Brasil terá interesses a defender em um horizonte muito mais amplo e diversificado. Com o crescimento sustentável da economia, com o dinamismo do setor agro-industrial, com a diversificação da indústria e dos serviços, com o potencial que as reservas de petróleo passam a representar para o Brasil, o Mercosul e a América do Sul serão pequenos para os interesses nacionais.

Com essa consciência precisamos afirmar nossa liderança no Mercosul, deixando claro que o Brasil é um pais com interesses concretos e não uma fundação filantrópica.

Rubens Barbosa, consultor de negócios e Presidente do Conselho de Comércio Exterior da Fiesp

Arquivo do blog