Vamos logo à última constatação. Sustentando-se a República sobre três Poderes em tese eqüipotentes, amanhã solicitação semelhante poderia ser feita com a mesma falta de cerimônia aos presidentes da República ou do Congresso. É espantoso, mas os deputados desconheceram tal premissa.
Cometido o equívoco de origem, os demais viriam em decorrência da incapacidade de percepção e conjugação de circunstâncias.
A começar pelo fato de que o ministro não pôs sua voz a serviço de um daqueles episódios cuja validade se esgota na punição de alguém ou no esquecimento geral decorrente do escândalo seguinte. Ele falou em nome de um preceito: o do respeito à ordem jurídica do País.
Tendo denunciado em público o desvio de funções nas instâncias oficiais de investigação policial/judicial, e detalhado suas suspeitas ao presidente da República, não caberia ao presidente do STF prosseguir o debate em foro exclusivamente político.
A menos que quisesse pôr a perder a estatura do tribunal. Como, aliás, esteve a milímetros de fazer de forma irreversível quando mordeu uma isca ladina e foi para dentro do Congresso discutir aumento de salário para os ministros da Corte que haviam acabado de proibir o nepotismo nos três Poderes.
Ao chamar Gilmar Mendes, os parlamentares tampouco se mostram conscientes da profundidade da queda do crédito das comissões de inquérito concomitantemente ao aumento do risco que significa comparecer a uma delas.
Ninguém supõe que possa partir do Legislativo a iniciativa de decretar a interdição moral de seus domínios. Seria algo equivalente a uma declaração de auto-dissolução.
Mas, no caso em questão, seria pelo menos de se esperar um pouco mais de discernimento. De saída, para não obrigar o ministro a articular a negativa com todos os efes e erres. A recusa, além de antipática, pode não ser bem compreendida.
Nivela, aos olhos do senso comum, o presidente do STF aos personagens que fogem de CPIs porque temem se incriminar diante das câmeras de televisão.
O ministro não deveria ter sido chamado simplesmente porque não é papel dele se integrar em qualquer processo de investigação, muito menos político.
Sem desconsiderar a agravante do desgaste das comissões de inquérito, constantemente vilipendiadas pelo comportamento dos próprios parlamentares. Desde a CPI dos Correios, cujo trabalho sustentou a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, não se vê uma comissão produzir nada além de circo no palco e conchavo no bastidor.
Dependendo do estado de ânimo das tropas de governo e oposição, o depoente - ou convidado - pode ser tratado com desvelo ou desmazelo. Isso se tiver sorte. Se não, arrisca-se a servir de pasto a figuras de comportamento abjeto.
Evidentemente não haveria para com o presidente do Supremo Tribunal Federal nenhuma ação deliberada de desmoralização, na hipótese absurda de ele comparecer.
Ainda assim, correria o risco de ficar exposto ao pior dos perigos - o ridículo - caso suas excelências resolvessem se mostrar excessivamente reverentes para mostrar como sabem ser respeitosas quando querem.
E nessa obra de demolição não adianta transferir a responsabilidade ao Poder Executivo ou ao governo de turno porque se um lado solapa o outro se deixa solapar; rigorosa ou docemente constrangido. Isso varia de acordo com o interesse e o nome do jogo da ocasião.
De igual
A linguagem solta e a abordagem livre sobre qualquer tema - sem a menor preocupação com restrições de cerimonial - dão ao presidente Lula uma enorme vantagem em relação aos demais personagens do primeiro time da política.
Em compensação, não lhe dão o direito de pedir respeito quando se dirigem a ele como fez o goleiro Júlio César, aborrecido com as críticas de Lula aos jogadores da seleção brasileira de futebol.
"Vai morar na Argentina. Renuncie à Presidência e talvez o Brasil melhore em alguma coisa", disse o jogador, em estado de descortesia explícita.
Mas é difícil cobrar do esportista um pingo de educação para com o presidente da República se o próprio não se preocupa com a altura dos padrões.
Três dias antes, por exemplo, dissera em ato oficial que pensava que o mar fosse salgado "por causa do xixi que as pessoas fazem aos domingos nas praias".
Quando a conversa chega nesse ponto, o respeito não pode mais ser exigido porque já foi atirado no lixo.