Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, setembro 01, 2008

Ainda FHC e o impeachment de Lula -Reinaldo Azevedo

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Leitores me pedem que diga o que acho de reportagem de Carlos Marchi, no Estadão deste domingo, informando que, na crise do mensalão, Lula manteve linha direta com FHC — ou nem tão direta: os interlocutores foram Antonio Palocci e Márcio Thomaz Bastos. A reportagem tem o mérito inegável de trazer detalhes dessas conversas, mas o fato de fundo já era de todos conhecido. Com efeito, o ex-presidente atuou para amenizar a crise. E isso não é novidade. Como recompensa, foi demonizado nos palanques da reeleição e ganhou um dossiê. É a gratidão de Lula. E muitos diriam que é a gratidão própria da política, onde o limite do bem e do decoroso seria o interesse objetivo. Pois é. Nesse caso em particular, o próprio FHC não negaria a tese cínica?

Os leitores mais indignados me cobram que avance na jugular de FHC — os mais exaltados aproveitam para avançar na dele e na minha: o ex-presidente porque "impediu o impeachment" de Lula, e eu porque estaria sempre empenhado em "defender FHC". Vamos ver. É uma ilusão boboca e que não se sustenta em fatos achar que bastaria a FHC querer e, então, puxar a corda no pescoço de Lula. As coisas nunca foram assim tão simples. E também é tolice, por mais que se apontem identidades entre PT e PSDB, acreditar que o ex-presidente não o fez em razão de algum pressuposto ideológico.

Havia entraves de outra natureza. Já escrevi aqui dezenas de vezes: todos eles deveriam ter sido enfrentados, e o mensalão era escândalo mais do que suficiente para tentar apear Lula do poder. Mas não era só um ato de vontade deste ou daquele. Havia circunstâncias: a popularidade do Apedeuta era bem menor, mas grande o suficiente para se pensar com cuidado nas conseqüências de um eventual impeachment. Havia uma forte corrente de opinião, que não se restringia só ao petismo, que o associava a Vargas e chamava aquilo de golpismo. Mais: a chamada "preservação da estabilidade econômica" também intimidou os atores políticos — com Collor, como todos sabem, a crise econômica já estava instalada. Lula, à diferença daquele impichado, tinha, mesmo no auge da crise, uma sólida maioria no Congresso — e a tendência dos partidos que lhe davam apoio era, diante do incerto, manter o statu quo, o que correspondia a manter os cargos. Mais: José Alencar não servia de estímulo a ninguém.

Tudo isso pesou no cálculo dos líderes da oposição que preferiram não enfiar o pé no acelerador. Acho que agiram corretamente? Não! Já escrevi aqui e reitero: a lei, se democraticamente instituída, tem de ser forte o bastante para se impor, inclusive sobre a "vontade popular" de ocasião. Não pode ser esbulhada pela chamada "voz rouca das ruas". Porque a "voz rouca das ruas" é, quase sempre, a voz estridente de uma militância mais ativa. O correto, entendo, teria sido ir até o fim na defesa do estado de direito. Afinal, o PT não tinha sido eleito para fazer aquela lambança.

FHC ajudou a aplacar a crise? É possível que sim. Mas foi ele o fator preponderante? Não foi. Digamos que colaborou com Lula ajudando a não incendiar o circo. Mas calma lá! Ele era e é voz influente na oposição, mas é só uma das vozes. Por isso, acho que cabe ir devagar na condenação. E, por isso também, nos comentários, contive os apetites mais cruentos na crítica ao ex-presidente.

Sim, não nego — mais do que isso, reitero: tenho grande, enorme, apreço político e intelectual por FHC. Acho que sua obra foi "histórica" — no sentido que emprego o termo, não naquele que se tornou popular, como sinônimo de "inédita". E "histórica", nesse caso, quer dizer que condicionou algumas das virtudes da economia brasileira no presente. Mais: como digo nesse videozinho que se vê aí à esquerda, com ele, as instituições sempre avançaram, sempre se tornaram mais sólidas, mas democráticas. Ademais, tirou o país do condicionamento do estatismo rombudo — (re) fortalecido com Lula.

É errado e, acho eu, um tanto irresponsável intelectualmente afirmar que ele criou as condições para a vitória de Lula. A questão seria longa, longuíssima. Mas o fato é que os dias eram bem mais difíceis, aqui e no mundo, e FHC apostou até o limite do possível na estabilidade econômica e na racionalidade das contas públicas: basta lembrar que TODOS OS SISTEMAS DE CONTROLE DE GASTOS vigentes foram criados em seu governo, a começar pela Lei de Responsabilidade Fiscal, contra a qual o PT recorreu no Supremo. Tivesse optado por medidas populistas, que mandariam a conta para o futuro, talvez a escalada de Lula não tivesse sido tão fácil. E é evidente que cometeu seus erros também. Quem acompanhava o site e a revista Primeira Leitura sabe o quanto tratei deles a seu tempo. Dei a primeira capa da imprensa brasileira sobre o apagão que viria. Isso é história. A revista está aqui. Ocorre que não vou agora repetir o detestável comportamento de falar mal também de FHC, que já não é presidente desde 2003, só para provar que sou "independente" e poder, então, bater em Lula. Não! Quando eu batia no governo tucano, não criticava o de Itamar ou o de Sarney só para compensar... Quem vive de elogias governos, qualquer um, talvez não entenda isso direito.

Houve erro de cálculo na tese de que Lula se manteria no poder, mas como um presidente fraco? Houve, sim. Erro! Erro brutal! Subestimou-se o petismo. Subestima-se ainda hoje. O fato de Lula ser também um notável intuitivo faz com que seus Adversários se esqueçam de que o PT tem método.

FHC errou até onde colaborou para Lula permanecer no cargo, mas convém não lhe atribuir "a" obra. Fazê-lo corresponde a ignorar a dinâmica da política e a história dos fatos. O erro, de todo modo, teve um bom propósito — a vaidade de preferir o dilúvio depois de sua passagem pelo poder é que seria moralmente condenável. Acho que ele superestimou, como muitos superestimaram, as possíveis turbulências de um eventual impeachment. Houve um erro, sim, brutal de análise e de cálculo. Mas foi mais coletivo do que alguns gostariam de acreditar.

PS: "Não pode criticar FHC no seu blog?", perguntam alguns que tiveram comentários cortados. Pode! Deixo criticar até o papa, meu líder espiritual. Mas este blog é uma página pessoal, como todos os blogs. E tem simpatia assumida pela obra de FHC. E, na minha casa, cobro delicadeza com os meus afetos políticos, intelectuais e sentimentais. Tratá-lo como se integrasse a escória que tenta fazer picadinho do estado de direito, ah, isso não pode! Não aqui! Porque não serei eu a ajudar a propagar o que considero, na versão dolosa, uma fraude e, na versão ingênua, um erro.

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