Entrevista:O Estado inteligente

domingo, fevereiro 12, 2012

Debate tolo - MIRIAM LEITÃO


O GLOBO - 12/02/12


Uma discussão ociosa surgiu depois da privatização dos aeroportos: quem privatiza melhor, PT ou PSDB? O PT, que usou eleitoralmente a privatização como sinônimo de roubo do patrimônio coletivo, fez o que condenava. Os processos foram parecidos, têm virtudes e defeitos. O Brasil tem muita necessidade de investimento em infraestrutura e está na hora de um debate mais maduro.

A ideia de que o governo Fernando Henrique fez privatização e o PT faz apenas concessão é tola. Uma siderúrgica se vende. Um serviço público se leiloa a concessão. Foi assim na telefonia, energia, estradas, aeroportos.

Houve erros em todos os leilões — de qualquer governo — e o mais recorrente é o dinheiro público ajudar a pagar o que o setor público está vendendo. Nas privatizações de FH, o BNDES financiou os compradores com dinheiro subsidiado. No leilão da última semana, os altos ágios serão pagos pelas Sociedades de Propósito Específico que serão criadas pelos consórcios vencedores com a Infraero. A estatal terá 49%. Como ela será parte da empresa que vai pagar a conta ficará na estranha situação de ter parte de suas receitas usada para pagar por um ativo que antes era 100% dela.

A maior virtude em todos os processos é o pragmatismo. Em vez de ter enormes prejuízos fabricando aço e usar dinheiro do Tesouro para capitalizar siderúrgicas, o governo passou a receber impostos sobre lucros crescentes de empresas que passaram a ser mais bem administradas. Em vez do absurdo atraso nas telecomunicações, vender as concessões para que novas empresas, mais ágeis, atendessem à explosiva demanda por telefone. Foi o que o governo FH fez, felizmente.

É a mesma esperança com os aeroportos. O Brasil está engargalado e precisa de novas empresas, inclusive internacionais, ajudando a remover os obstáculos ao crescimento. No caso dos aeroportos, o melhor era mesmo privatizar os mais rentáveis. É o que o governo Dilma está fazendo.

O Brasil precisa de uma montanha considerável de dinheiro para se tornar um país eficiente do ponto de vista logístico. O Instituto Ilos fez um estudo que divulguei esta semana no "Globo a Mais" mostrando que o país precisará investir R$ 900 bilhões para chegar ao patamar dos Estados Unidos em infraestrutura. O professor Paulo Fernando Fleury explicou que se o país investir 2% do PIB em rodovias, portos, aeroportos e ferrovias durante 25 anos conseguirá chegar ao nível de hoje dos americanos.

— Isso não é impossível porque em 1975 o Brasil investiu 1,8%. Atualmente está investindo 0,8% — disse Fleury.

Entre 2004 e 2010, o transporte de mercadorias por aviões aumentou 26%. Pelas rodovias, 23,6%; pelas ferrovias, 35%. O transporte aéreo de passageiro tem crescido a uma média de 10% ao ano. Temos exigido cada vez mais de todas as malhas de transporte do Brasil, e o Estado sozinho não consegue acompanhar.

O presidente da Infraero, Gustavo do Vale, me disse, em entrevista na Globonews, que a privatização foi feita dentro da equação financeira para que a empresa possa ter receitas para cuidar de outros aeroportos, grande parte deles deficitários, mas importantes para o país. A Infraero fez a projeção de crescimento da demanda para os próximos 30 anos e descobriu que só na região da Grande São Paulo será necessário um novo aeroporto com a dimensão de Guarulhos, para atender 30 milhões de usuários. A infraestrutura terá que crescer espantosamente nos próximos anos, e por isso o monopólio estatal da Infraero era insustentável.

O Galeão, explicou Gustavo do Vale, é tão velho que há dificuldade de encontrar peças de reposição. Tem 70 escadas rolantes, 65 elevadores, está sendo readequado e ampliado para demandas imediatas.

— O Galeão é importante para o Brasil, não apenas para o Rio. Temos daqui a alguns meses a Rio+20. Em 2013, teremos a Copa das Confederações e a vinda de talvez dois milhões de jovens católicos para o encontro com o Papa — afirmou Gustavo.

Há várias emergências como essa no nosso sistema aéreo. O Galeão não foi privatizado, nem se sabe se será. Mas deveria. Tudo pode ficar mais claro quando sair o Plano de Outorgas que vai disciplinar toda a aviação civil brasileira, em que há vários vácuos como o que ocorre com os 3.500 aeródromos do país, hoje funcionando de forma precária. Alguns terminais serão entregues aos estados e municípios. Enfim, tudo começou a mudar a partir do leilão da semana passada.

Houve pontos fracos no processo. De novo, os fundos de pensão de estatais foram chamados a salvar a pátria. São os donos de Guarulhos. Quem vai se dar bem são os sócios privados, já que terão dinheiro do BNDES para os investimentos e os fundos como garantia de capital.

Há dúvidas sobre a solidez dos consórcios que compraram Brasília e Vira-copos, mas até o dia 17 a documentação que entregaram vai ser avaliada pela Comissão de Licitações.

Privatização e concessão são instrumentos normais para a gestão de um país complexo como o Brasil. Está na hora de o debate amadurecer no país. Há necessidades urgentes e perigosos obstáculos pela frente. E não temos tempo a perder com discussões ociosas.

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