O GLOBO - 02/06/11
Pode ser até que o governo consiga sustar a convocação do ministro Antonio Palocci, evitando assim que ele tenha que se explicar em uma comissão da Câmara. Mas, antes de ser uma solução, a reversão da decisão de uma instância da Câmara por ato de seu presidente eventualmente do PT pode colocar mais lenha na fogueira, aumentando a percepção de que alguma coisa muito grave está sendo escondida do distinto público.O fato de a oposição ter conseguido abrir uma brecha na blindagem ao chefe da Casa Civil fala muito mais da divisão interna do governo do que propriamente da capacidade de atuação dos partidos oposicionistas, mesmo que se tenha que elogiar sua perseverança.
A situação é tão confusa que ninguém sabe exatamente onde começa o boicote a Palocci e onde termina a incompetência governista.
Sabe-se, por exemplo, que a senadora Gleisi Hoffmann, uma petista de alto coturno, sugeriu em conversa reservada da qual participou o ex-presidente Lula que as suspeitas contra o chefe da Casa Civil já estariam prejudicando o governo Dilma e que estava na hora de ele se explicar para não contaminar definitivamente o Planalto.
Se aliarmos a esse comentário o fato de que a senadora é casada com o ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, que, segundo a boataria que corre solta em Brasília, poderia vir a ser o substituto de Palocci na Casa Civil, temos aí pelo menos uma bela intriga palaciana que terá desdobramentos futuros, seja qual for o resultado da blindagem de Palocci.
Do jeito que as coisas estão no momento, a defesa do chefe da Casa Civil parece ser a única salvação do governo Dilma, que sem ele não teria condições de existir nos próximos três anos e meio de mandato e ficaria "arrastando-se" até o final.
Esse raciocínio é simplesmente do ex-presidente Lula, que o desenvolveu nessas conversas dos últimos dias com aliados supostamente para proteger a presidente Dilma, e que na prática acabaram por piorar sua situação.
Como é difícil imaginar que Lula faça movimentos políticos sem medir suas consequências, é forçoso imaginar que ele tenha querido fixar a posição de comandante prioritário do governo, colocando a presidente em situação subalterna de maneira pensada.
Talvez o tenham incomodado as comparações que se faziam, sempre em benefício da novidade, entre o estilo sóbrio da presidente e sua maneira desabrida de fazer política.
A defesa obstinada de Palocci que o ex-presidente fez, sem medir as consequências para a presidente de direito, teria também o objetivo de proteger um nomeado seu, colocado por ele no setor mais estratégico do Ministério para tutelar o novo governo, juntamente com o seu ex-chefe de Gabinete Gilberto Carvalho, transferido para a Secretaria-Geral da Presidência.
Enquanto Palocci não explica seu enriquecimento, boatos de todos os tipos circulam por Brasília, e a cada dia fica mais evidente que dentro do próprio PT cresce a tendência de considerar que ele está provocando mais problemas que soluções neste momento.
O raciocínio que teria desenvolvido a senadora Gleisi é de que o escândalo do mensalão teria sido provocado por ações que favoreceriam o PT, enquanto o problema de Palocci seria de índole pessoal, o que retiraria do PT a obrigação de defendê-lo.
Há, porém, quem afirme que esse dinheirão todo que o chefe da Casa Civil arrecadou, sobretudo os milhões que entraram em sua conta nos últimos meses de campanha, na verdade, pelo menos em parte, teria destinação partidária, seja para financiamento da campanha presidencial, seja para a formação do Instituto Lula.
Essa seria uma explicação lógica para o ponto mais grave da acusação, a de que Palocci continuou a atuar como "consultor" mesmo depois de ter sido indicado coordenador da campanha de Dilma.
Se, no início da campanha, Palocci tivesse encerrado as atividades de sua "consultoria", coisa que só fez no final de 2010, quando Dilma já estava eleita, poderia hoje alegar que assim procedera para evitar conflitos de interesse diante da possibilidade de a candidata do PT ser eleita.
Mas, tendo continuado a operar duplamente durante toda a campanha e, mais que isso, tendo recebido o grosso do dinheiro depois da eleição, só faz crescer a suspeita de que o que sua "consultoria" vendia mesmo era tráfico de influência.
Essa suspeita que domina a opinião pública só será dissipada se o ainda chefe da Casa Civil conseguir, em depoimento no Congresso ou em entrevista, desmontar as insinuações, provando que nenhum de seus clientes teve favores do governo, deste ou do anterior.
Mas o pouco que se sabe hoje já dá para desconfiar de que alguma coisa próxima do tráfico de influência ocorreu.
O caso apresentado pela liderança do PSDB na Câmara é exemplar disso. A restituição pela Receita Federal à cliente de Palocci incorporadora WTorre, no valor de R$9,2 milhões, teria acontecido em prazo recorde - 44 dias - e ao mesmo tempo em que a empresa fez uma doação à campanha de Dilma.
O governo alegou que o pagamento foi feito por ordem judicial, mas não foi exatamente isso. A ordem judicial foi para que a Receita tomasse uma decisão sobre o caso, que estava parado na burocracia. Perguntado sobre por que então o governo não recorrera da "decisão judicial", a alegação burocrática foi de que a Receita perdera o prazo de recurso, o que seria no mínimo prevaricação.
A convocação da Câmara ocorre quando a Procuradoria Geral da República pede mais explicações a Palocci, considerando insuficientes as que ele mandara anteriormente.
O governo estava contando com decisão favorável ao ministro para hoje, o que esfriaria a crise. Ao contrário, o pedido de Roberto Gurgel, ao adiar a decisão por mais uma semana, aumenta a temperatura da crise e indica que, até o momento, as explicações de Palocci são insuficientes para impedir a abertura de um inquérito.