A economia brasileira oferece menos riscos que a dos Estados Unidos ou, ao contrário, há indícios de que o país está a caminho de uma recessão? Nem uma coisa nem outra, mas ontem o ministro da Fazenda, Guido Mantega, festejou no Palácio do Planalto o fato de que um indicador econômico do mercado financeiro, o CDS (Credit Default Swap), indicaria que o risco Brasil está pela primeira vez menor que o dos Estados Unidos.
Fez lembrar o ex-presidente Lula, que criou um embaraço diplomático ao dizer, para se vangloriar, que "é muito bom terminar o mandato e ver que os EUA continuam em crise", em contraste com o Brasil, que cresceu no seu último ano 7,5%.
Mantega comemorava, na verdade, não uma melhoria da economia brasileira, mas as dificuldades do governo de Barack Obama para conseguir que o Congresso americano dê permissão para que seja ampliado o teto de endividamento do país.
Caso isso não aconteça, em agosto o Tesouro americano não terá condições de honrar o pagamento de seus títulos.
O mais intrigante nessa "comemoração" do governo brasileiro é que o Brasil hoje é nada menos que o quarto maior detentor de títulos do Tesouro dos Estados Unidos, ficando atrás apenas da China, do Japão e dos países exportadores de petróleo.
Isso quer dizer que o Brasil seria prejudicado se os Estados Unidos não conseguissem honrar seus compromissos, o que já é temido pelo mercado financeiro internacional, embora considerado altamente improvável.
O governo chinês, que não brinca em serviço, em vez de comemorar, já alertou os congressistas americanos de que eles estão "brincando com fogo" ao não darem ao governo americano os instrumentos necessários para tratar do equacionamento da dívida interna a longo prazo.
O índice CDS é uma espécie de seguro que investidores utilizam para se proteger contra a possibilidade de algum devedor não quitar suas obrigações, e o aumento do risco dos Estados Unidos está justamente na luta política que democratas e republicanos travam no Congresso.
Se, como todos acreditam, os congressistas chegarem a um acordo, e o governo americano puder ampliar sua capacidade de endividamento, o CDS dos Estados Unidos voltará a indicar risco reduzido, próximo de zero, como acontece em relação aos bônus de mercados emergentes, que são a base de outra medida de risco.
Nesse caso, os bônus de países emergentes como o Brasil são comparados com o risco nulo dos bônus dos Estados Unidos.
Já o CDS do Brasil continuará onde sempre esteve, naturalmente abaixo dos Estados Unidos, devido aos riscos inerentes a uma economia que, embora venha se comportando de maneira correta e demonstre vitalidade, já deu o calote nos devedores.
Mesmo essa vitalidade da economia brasileira, que nos transformou na "bola da vez" dos investidores internacionais diante das dificuldades crescentes dos Estados Unidos e da Europa, poderia ser colocada em dúvida por outro indicador financeiro.
O jornal "Financial Times" de ontem mostra que a curva de rendimento de títulos públicos do Brasil indicaria problemas à vista na nossa economia, pois os juros dos títulos de curto prazo estão mais altos do que os de longo prazo, o que significaria que o mercado está temendo uma forte desaceleração ou até mesmo uma recessão econômica no futuro.
O mais grave, segundo o "Financial Times", é que os países cuja curva de rendimento de títulos públicos apresenta as maiores diferenças entre os juros de curto e de longo prazo são Grécia, Portugal e Irlanda, justamente os três países europeus que enfrentam os maiores problemas financeiros na região.
A Índia, outro país emergente, parceira do Brasil nos Brics, segundo a reportagem, também está em situação semelhante à brasileira, com os juros de longo prazo apresentando alta nas últimas semanas, devido ao aumento dos juros para conter a inflação.
Há análises mais otimistas, no entanto. O mesmo fenômeno que, para Grécia, Portugal e Irlanda representaria uma indicação de recessão econômica, para países com economias em bom estado, como as do Brasil e da Índia, indicaria a tendência de longo prazo de queda dos juros, e não uma crise econômica.
A aposta desses analistas é que sucessivos governos brasileiros, inclusive o atual, já se comprometeram com a estabilidade econômica a tal ponto que é possível prever que a longo prazo a inflação convergirá para o centro da meta, e os juros poderão voltar a ser reduzidos.
A questão é que o Brasil tem diante de si desafios que não parecem ser as prioridades do governo, engessado por uma coalizão congressual insatisfeita e que, ao contrário de ser uma base para as reformas estruturais de que necessita, é uma verdadeira fábrica de "custo Brasil" com suas reivindicações permanentes.
Agora mesmo o governo começa a negociar duas propostas de emenda constitucional que são explosivas, tanto política quanto economicamente: a das verbas para a Saúde e a do piso nacional para policiais militares.
Como o governo não parece disposto a cortar realmente seus custos, que são compensados pela carga tributária que continua ascendente, essas pressões do Congresso colocam mais lenha na fogueira que faz a inflação ficar aquecida.
A alta dos juros a longo prazo, nessa situação, seria uma sinalização de que o governo teria que manter seu remédio amargo por muito mais tempo do que o previsto, correndo realmente o risco de uma desaceleração mais acentuada na economia.