As três últimas derrotas do PSDB em eleições presidenciais deixaram a
oposição sem discurso, adotado e incorporado habilmente pelo PT, e sem
bandeiras - como a modernização do País e as privatizações -, cujos
resultados positivos foram renegados três vezes, pelo próprio partido,
durante as campanhas eleitorais.
De maneira competente, o governo do PT ocupou todos os espaços
políticos. A oposição, reduzida aos pronunciamentos parlamentares,
teve pouca relevância e influência no processo político, pela
dificuldade de ser ouvida pela sociedade. O papel da oposição, em
larga medida, foi representado pela mídia, que, com competência e com
amplo acesso à sociedade, tem fiscalizado as ações do Executivo e
denunciado o que entende serem equívocos de políticas e mazelas da
administração pública.
Criou-se, assim, um vácuo político, que a revista Interesse Nacional
(www.interessenacional@uol.com.br) procurou preencher ao promover o
debate sobre o papel da oposição no Brasil, hoje. Afinal, na última
eleição presidencial 43 milhões de eleitores rejeitaram o que o PT
representa e a sociedade brasileira, em profunda transformação, mostra
a inclusão das classes D e E numa classe média que conta hoje com mais
de 100 milhões de pessoas, cujos aspirações e valores ainda não estão
claramente identificados.
É tão grande o anseio da sociedade pela discussão de ideias e tão
vigorosa a demanda pelo debate político que não chega a surpreender a
repercussão que um único artigo sobre o papel da oposição conseguiu
despertar na mídia e nos meios eletrônicos de comunicação, antes mesmo
de sua publicação na revista. A demanda reprimida foi atendida e
despertou imediata atenção da classe política e da mídia. É verdade
que o artigo foi escrito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso,
cujas opiniões não repercutem de maneira neutra entre os formadores de
opinião, nem entre os eleitores em geral.
O artigo, publicado no último número da revista Interesse Nacional,
pode ser visto como um convite para o início de um debate de alto
nível sobre o aperfeiçoamento da democracia pelo fortalecimento das
oposições. FHC, nos últimos tempos, tem chamado a atenção de seu
partido para a urgente necessidade de se reciclar e de mudar seu
discurso, sua estratégia e sua ação, de modo a que possa ocupar um
papel de realce no cenário político nacional.
É curioso que, embora poucos tenham lido o artigo na íntegra, todos se
julgaram no direito de comentar, a favor ou contra, a partir de uma
frase, de interpretação distorcida por manchete jornalística, que não
refletiu o espírito da observação do ex-presidente.
Na revista, a análise do ex-presidente FHC foi acompanhada por dois
outros provocativos trabalhos, do sociólogo Demétrio Magnoli e do
professor-diplomata Paulo Roberto de Almeida, cujas ideias básicas
valem como contribuições importantes para o debate.
Demétrio Magnoli, em Partido único, referindo-se ao PT, assinala que a
sociedade brasileira - moderna, urbana, complexa - não se ajusta à
sedimentação de seu sistema político sob o peso de um poder
hegemônico. Na sua opinião, a rejeição ao petismo se expressaria na
sociedade sob as mais diversas formas. Essa oposição, entretanto, não
se traduz adequadamente nos atuais partidos oposicionistas e,
portanto, também não encontra expressão parlamentar. É um sinal
preocupante sobre o estado de saúde de nossa democracia. A persistente
relutância em expor as relações entre a natureza autoritária do PT e
as orientações de política internacional do lulismo constitui uma aula
completa sobre o estado falimentar do PSDB e do DEM. "Os partidos
oposicionistas nada têm a dizer sobre o modelo (econômico) em
gestação, que subordina o interesse público ao interesse privado",
assinala Demétrio.
Em Miséria da oposição no Brasil: da falta de um projeto de poder à
irrelevância política, Paulo Roberto de Almeida elabora sobre a
inexistência de uma verdadeira oposição no atual cenário político
brasileiro e sobre as tarefas da oposição num moderno sistema político
democrático. O autor faz um exame das condições pelas quais se poderá
fazer a eventual reconstrução de uma oposição digna de seu nome no
Brasil. "A oposição precisa estar pronta para oferecer outro futuro a
todos os brasileiros que não acham que a esperteza política aliada ao
oportunismo propagandístico representa o horizonte real de
possibilidades para o país. A oposição brasileira (...) falhou
miseravelmente em sua missão oposicionista. Dizer que ela foi inepta,
ineficiente, incompetente, patética seria até ser generoso com as
principais forças que foram agrupadas nesta classificação de oposição.
Basta dizer que simplesmente não existiu uma oposição de verdade
durante todo o governo Lula: as forças que deveriam, até precisavam,
ser oposição, simplesmente se autoanularam para um exercício que é uma
das tarefas mais legítimas em todos os regimes democráticos", observa
Paulo Roberto.
Nenhuma democracia se pode dar ao luxo de prescindir de uma oposição
com programa alternativo, fiscalizadora e dinâmica.
O Partido dos Trabalhadores fez a sua parte. Renovou-se, organizou-se
nacionalmente e tem um projeto de poder. No governo há oito anos, e
agora desfrutando mais quatro, tem um forte poder de atração e de
cooptação.
Espera-se que as oposições - e, em especial, o PSDB, o partido mais
forte dentro desse grupo - iniciem um debate democrático para criar
condições de modo a se apresentarem nas próximas eleições como uma
real alternativa ao PT, com um projeto para o País, e não apenas de
poder. A alternativa - caso isso não ocorra - é a consolidação do PT
como partido hegemônico, a exemplo do Partido Revolucionário
Institucional (PRI), que governou o México por quase 70 anos.