Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 19, 2011

Cenário da decisão - MIRIAM LEITÃO

O GLOBO - 19/04/11

A semana era para ser leve e curta, para que todos pudessem ir
diminuindo o ritmo até os feriados de quinta e sexta. Começou cheia de
assuntos na economia: a inflação não está em queda, há reunião do
Copom, a S&P pôs em perspectiva negativa a dívida americana e o euro
caiu com medo da renegociação da dívida de alguns países do bloco. No
Brasil, além dos índices altos de inflação, há muito ruído em torno do
tema.

O IPC-S divulgado ontem deu 0,83%. É um dos muitos índices do país,
mas não é dos mais conhecidos. O IPCA-15 de abril, uma espécie de
prévia do índice oficial, vai ser divulgado exatamente no dia em que o
Banco Central decidirá a taxa de juros. Ele deve ficar em 0,80%, na
opinião do professor Luiz Roberto Cunha, da PUC-Rio. As apostas mais
moderadas são de 0,70%, como faz o Bradesco.

O problema é que ela permanece alta, mesmo com o começo da queda da
inflação de alimentos. Se o IPCA do mês ficar nesta faixa de 0,80%, a
inflação no acumulado de 12 meses vai para o teto da meta. Há grande
risco de que o índice chegue a 7% nos próximos meses.

Em maio, o índice deve cair em relação a abril, mas o acumulado do ano
continuará no limite da meta. Vai cair porque alguns grãos estão
entrando na safra, o álcool está sendo moído, as verduras e legumes
estão mais fartos nessa época do ano. Isso afetará favoravelmente os
preços de alimentos, alimentos in natura e combustível. Mesmo assim, a
conta em 12 meses ficará alta principalmente em junho, julho e agosto.
No ano passado, nesses três meses houve inflação próxima de zero,
explica Luiz Roberto Cunha. Isso significa que qualquer alta elevará o
acumulado em um ano.

- Quando estiver em torno de 7% começará a negociação de setembro dos
dissídios de categorias fortes como bancários, petroleiros e
metalúrgicos. O mercado de trabalho está aquecido e a economia ainda é
muito indexada. Isso fará com que os sindicatos pressionem por
aumentos elevados.

Nos últimos três meses do ano, há chances de a inflação em 12 meses
cair, porque no ano passado os índices ficaram muito altos no fim do
ano. É nisso que aposta o Banco Central, mas qualquer choque que
houver será perigoso.

- O ano de 2012 entrará sob o peso de um aumento forte de salário
mínimo. Isso significa que há pouca chance de a inflação de serviços
cair - disse o economista.

O que torna esse quadro mais preocupante é o fato de que as
expectativas não estão ancoradas. Não se sabe se o governo vai de fato
pagar o preço de derrubar a inflação. Esse é sempre o ambiente no qual
as remarcações aumentam, principalmente nos mercados onde há pouca
competição.

A MB Associados avalia que os preços das commodities vão cair,
superando o efeito que a consultoria define como "devastador" do La
Niña, no final do ano passado. Mas da mesma forma que Luiz Roberto
Cunha, a MB explica que os preços caem, mas não voltam a patamares de
2009. A demanda mundial por commodities, principalmente as agrícolas,
continua muito alta. O cenário de queda forte desses preços só ocorre
em momentos de crise, como foi em 2009.

No resto do mundo, as dúvidas continuam. A decisão da Standard&Poors
de pôr em perspectiva negativa a dívida americana espanta pelo
inusitado, mas não quer dizer que a dívida será rebaixada. Tem alguma
possibilidade de nos próximos anos isso acontecer, caso não haja
alguma mudança das perspectivas. Mas esse movimento foi o suficiente
para provocar queda nas bolsas do mundo inteiro.

Na Europa, as dúvidas que sempre reaparecem é de que haja uma onda de
reestruturação das dívidas de alguns países, com tudo o que isso pode
representar de contágio pela estreita ligação entre os sistemas
bancários.

O Japão continua se debatendo para encerrar a crise nuclear; a
recuperação econômica passou a ser assunto a ser tratado no futuro. Na
China, a inflação alta ameaça seu papel de fornecedor de produtos de
baixo custo. A inflação chinesa tem sido alimentada também pelo
crescimento econômico que não obedece a ordem de reduzir o ritmo dada
pelas autoridades. Há avaliações de que os números reais de inflação
são piores do que os que são informados pelo governo.

Não é um bom momento para tanta dúvida sobre qual é, afinal, a
política econômica e o diagnóstico do governo sobre a inflação. O
diagnóstico do Ministério da Fazenda é de que este é um problema
mundial, provocado pelas commodities, e que estão sendo tomadas todas
as medidas necessárias para evitar que ele se propague na economia. É
um pouco isso, mas é mais complicado. É um problema mundial, mas há
características locais que o tornam ainda mais complexo.

O Brasil tem uma longa história de superinflação indexada, tem ainda
muita indexação na economia, há outras fontes de pressão
inflacionária, o índice de serviços está acima de 8%, e os estudos
mostram que a inflação já está com um nível alto de dispersão na
economia. Até a explicação que o ex-presidente do Banco Central
Henrique Meirelles teve que dar sobre o que aconteceu, ou deixou de
acontecer no governo anterior, mostra como o ambiente está sensível e
cheio de ruídos.

O atual presidente, Alexandre Tombini, disse que o país está no meio
de um ciclo de aperto monetário, mas depois teve que se explicar
melhor. Enfim, o governo Dilma ainda não conseguiu se comunicar nessa
área. Num momento de expectativas fluidas, crise externa e inflação
perto do teto, o Banco Central decidirá os juros amanhã.

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