A burocracia é o grande entrave aos produtores rurais e atinge, sobretudo, os pequenos e os médios |
UM DOS SINAIS mais evidentes dos desajustes da legislação ambiental brasileira -e que inviabiliza imenso contingente de produtores, sobretudo os pequenos e os médios- pode ser demonstrado em números, eloquentes e autoexplicativos.
Um produtor que tem entre um e mil hectares de terra gasta, entre taxas ambientais e projetos técnicos para cultivá-los, quase R$ 60 mil.
No caso de um produtor que possua apenas cinco hectares, esse custo corresponde a 300% do valor da terra, cujo preço médio de mercado é de R$ 4.000 por hectare.
Quanto menor a propriedade, maior a discrepância entre o custo fiscal de sua utilização e o valor comercial. São taxas (e siglas) aos borbotões e não só para licenciar desmatamento, mas também para plantação em áreas antigas.
A taxa para Licenciamento Florestal da Propriedade Rural (LFPR), definição de área legal e APP, para até mil hectares, custa R$ 1.597, mais R$ 7.500 para o projeto.
A taxa para Autorização de Exploração Florestal (AEF), mais Autorização para Supressão Vegetal (ASV), sai por R$ 2.225,32 e o projeto, por R$ 11 mil.
As taxas para as licenças prévias (LP) de Instalação (LI) e de Operação (LO) saem por R$ 11.238,75, além dos respectivos projetos, que custam R$ 22 mil. E há ainda a taxa de Reposição Florestal Obrigatória (RFO), que sai por R$ 2.500.
O total é R$ 58.061,57 para quem tem um ou mil hectares, não importa, segundo dados que expressam a média dos valores dos vários Estados. Não se deve esquecer o tempo que o produtor gasta na burocracia estatal para obter essas licenças, que podem durar meses e meses.
A burocracia tornou-se o grande entrave à produção rural e atinge, sobretudo, pequenos e médios.
O Estado brasileiro tem hoje mais poderes que capacidade para geri-los, prejudicando os que dele dependem e o sustentam.
O Código Florestal vigente é de 1965, quando o país tinha pouco mais de um terço da atual população e era grande importador de alimentos. De lá para cá, a lei foi mudada de modo indevido e autoritário por meio de 60 emendas, feitas por decretos e por medidas provisórias, sem nenhuma participação do Congresso ou da sociedade, sob pressão de lobbies multinacionais, alguns vinculados a empresas que disputam com o Brasil o mercado mundial de alimentos.
Tais anomalias resultaram no paroxismo de colocar nada menos que 90% de todas as propriedades rurais produtivas na ilegalidade. Mas o Brasil, bem ao contrário, é, em todo o mundo, o país que conserva o maior volume de vegetação nativa.
Nada menos que 61% estão como Pedro Álvares Cabral os encontrou!
A progressão dessa ocupação tem sido criteriosa, como em nenhum outro país. Em 1960, a iniciativa privada ocupava 250 milhões de hectares, sendo 56 milhões de cobertura vegetal nativa. A produção de alimentos ocupava 194 milhões de hectares, ou 23% do território.
Naquela época, o país importava alimentos e, por isso mesmo, os vendia caro. Meio século depois, com a expansão da fronteira agrícola para o Norte e o Centro-Oeste, a partir da construção de Brasília, a iniciativa privada ocupa 330 milhões de hectares e, dentro deles, aumentou a cobertura vegetal nativa para 94 milhões de hectares.
Ou seja, a ocupação produtiva do território cresceu, em meio século, cerca de 32%, enquanto a área preservada dentro das propriedades aumentou 68,5%. Mesmo assim, o país, no período, tornou-se não apenas autossuficiente na produção de alimentos, mas um dos maiores produtores do mundo.
O agronegócio do Brasil responde pelo superavit da balança comercial, por 22,4% do PIB e por 37,4% dos empregos. Oferece a melhor e a mais barata comida do mundo a sua população. Na década de 70, o brasileiro comprometia 48% da sua renda com comida; hoje, compromete só 18%.
É contra esse patrimônio que investem, de um lado, a burocracia estatal e, de outro, as multinacionais ambientais, na cega defesa do atual Código Florestal, cuja reforma, urgente e indispensável, o Congresso examina.
A esses, cabe refletir sobre a sentença do jurista francês Georges Ripert: "Quando o direito ignora a realidade, a realidade ignora o direito".
KÁTIA ABREU (DEM-TO), 49, senadora, e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve quinzenalmente, aos sábados, neste espaço.