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sexta-feira, abril 22, 2011

Antônio Fernando: mensalão não é uma invencionice-


Folha de S Paulo 21/04/2011
Lula Marques/Folha

Autor da denúncia do mensalão, convertida em ação penal pelo STF, o ex-procurador-geral da República Antonio Fernando de Souza declara:

A reabilitação política de políticos denunciados na peça "não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice".

Em entrevista ao repórter Márcio Falcão, veiculada na Folha, Antonio Fernando reitera a origem pública de "parte relevante dos valores" desviados.

Critica a lentidão da Polícia Federal, que só em fevereiro deste ano, com cinco anos de atraso, concluiu as investigaçõs sobre o caso.

Vão abaixo trechos da entrevista:

- Como recebeu esse relatório da PF do inquérito paralelo ao mensalão? Embora o relatório não se refira à ação penal do mensalão que está no Supremo, mas a um inquérito [paralelo] aberto em 2007, foi positivo porque confirma o que foi descrito na denúncia quanto às fontes dos recursos. Só me preocupa que a investigação tenha demorado tanto.

- Qual o efeito dessa demora? O trabalho de investigação deve ser mais célere. Cinco anos atrás, houve críticas porque a denúncia foi oferecida antes do relatório final da CPI dos Correios, mas o Ministério Público compartilhava as provas obtidas pela CPI e o relatório era dispensável. Criticou-se a PF, que não tinha apresentado relatório, mas pedido novas diligências. Se dependêssemos desse relatório, é possível que estivéssemos esperando até hoje. A investigação tem que ser conduzida para esclarecer fatos com a maior brevidade, não pode ficar pesando indefinidamente sobre os ombros das pessoas.

- Acha que pode ter ocorrido alguma ingerência na PF? Não tenho informação a respeito, mas tudo funciona em termos de prioridade. Aparece outro fato que ganha o interesse e a polícia, talvez por falta de pessoal ou de estrutura, não mantém o mesmo ritmo de atuação. Mas, nesse caso específico, o tempo [5 anos] foi muito longo. Nesse mesmo tempo, houve o oferecimento e recebimento da denúncia que resultou na ação penal e foi realizada praticamente toda a instrução, com elevado número de denunciados, para se chegar à conclusão de um inquérito em que os pilares da investigação já estavam estabelecidos.

- Como avalia a reabilitação política de alguns personagens do mensalão, como o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que comanda a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara? Não sei se o termo certo seria reabilitação porque houve apenas o recebimento da denúncia, não houve condenação ainda. Essa questão da reabilitação está no plano político. Do ponto de vista jurisdicional, continuam submetidos a julgamento. Agora, esta "reabilitação política" não pode sugerir que tudo passou de uma invencionice. Estou plenamente qualificado a dizer que tal suposição é incorreta.

- Mas esse retorno de alguns réus não pode representar a tentativa de esvaziamento da denúncia? Os ministros julgarão com base nos elementos do processo. É claro que, ao julgar, podem condenar ou absolver. Apesar de ter deixado a Procuradoria-Geral da República há quase dois anos, o que posso dizer, com base no trabalho que fiz, é que já no momento inicial havia elementos suficientes para justificar condenação a respeito de muitas das imputações.

- Como foi ter que investigar o ex-presidente Lula? A denúncia apresentada ao STF decorreu da apreciação de todo o material probatório existente até aquele momento. Não havia preocupação de excluir ou de incluir o presidente ou qualquer outra autoridade. Só foram denunciadas as pessoas contra as quais havia prova. Em relação a ele, não havia provas. Não foi uma exclusão. As provas não conduziam a ele.

- Arrepende-se de ter denunciado 40 réus mesmo com risco de prolongar as investigações? A denúncia foi elaborada durante muito tempo e com muito cuidado. Um trabalho artesanal de examinar as provas, os fatos penalmente relevantes, as pessoas que os tinham praticado, e colocar no papel um texto consistente. Não houve preocupação quanto ao número das pessoas, mas com a prova. Alguns fatos eram periféricos, mas relevantes, e a denúncia perderia coerência se fizesse referência apenas às pessoas com foro perante o STF.

- Em sua avaliação, há risco de prescrição dos crimes? Pelo que lembro, não há qualquer das imputações que esteja na undécima hora do prazo prescricional. Na hipótese de condenação, e concretizada a pena, não é impossível que uma ou outra seja atingida pela prescrição. Não creio, contudo, que se não houver julgamento imediato vá ocorrer a prescrição de todos os delitos.

- Não há dúvida de que houve emprego de dinheiro público no mensalão? A investigação apontou neste sentido e a denúncia descreve que recursos públicos foram utilizados. Se eu tivesse dúvida, não teria apresentado a denúncia. Pelo menos parte relevante dos valores teve origem em recursos públicos.

- Que desfecho espera? O recebimento da denúncia pelo Supremo mostrou que a peça se apoiava em prova consistente. Agora, o juízo é mais aprofundado do que o anterior, na medida em que também se afere à culpabilidade dos denunciados. Considero que, já no momento do oferecimento, todos os denunciados têm um elevado grau de responsabilidade. Mas esse juízo quem vai fazer é o Supremo.

- Qual a lição desse caso? Independentemente do resultado do julgamento, fica a afirmação de que coisas públicas devem ser usadas apenas com finalidade pública, para atender à sociedade.


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